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Politicas educacionais na imprensa

7 de set. de 2013

O NEOLIBERALISMO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES



O NEOLIBERALISMO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES [1]

Pedro Beja Aguiar [2]

A História, como um campo científico, possui métodos e teorias que a sustentam e justificam frente aos eventos de médio e longo prazo que seus resultados proporcionam. Desta maneira, nada que esteja no campo sistemático da História deve ser analisada individualmente, a parte de processos anteriores, principalmente se estes forem consequências duradouras de resultados antigos.  
Não pretendemos aqui afirmar a História como uma disciplina de progressos históricos, de processos evolutivos em que cada evento está entrelaçado ao anterior, e que estará diretamente relacionado ao ulterior. Isto seria um equívoco. No entanto, com a proposta de abrir um debate sobre a discussão da formação dos professores no Brasil contemporâneo, principalmente no período pós-ditadura militar, quando o regime neoliberal se impôs nas mentalidades governistas, é imprescindível denotar aspectos reflexivos de situações passadas na história brasileira.
Como marca indelével da pedagogia nacional, a formação de professores desde as primeiras aparições nas terras coloniais portuguesas foi extremamente influenciada pelos resultados e aspectos europeus, mais precisamente franceses. Desde o século XVI, quando pelas “novas terras” de Avis apenas se encontravam índios seminus, os portugueses e, principalmente, a Companhia de Jesus, já buscavam formas de ensinamento àqueles selvagens[3], principiando aos jesuítas (homens de fé, divulgadores dos princípios cristãos) o julgo da instrução civilizadora. Mesmo com a chegada de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, que rapidamente encerrou a atuação dos jesuítas e, por conseguinte, a escravidão indígena, a educação que visava à formação docente ainda não era pensada como algo fundamental e definidor.
Como mencionado acima, não nos ateremos aos meandros da história da formação dos professores, pois já existem trabalhos que o fazem muito bem (SAVIANI, 2009; TANURI, 2000; GOMIDE, 2008), mas apenas a pontos específicos que confirmam a nossa tese de que tal formação é estritamente um resultado de erros históricos em diferentes contextos políticos e sociais. Como bem colocam Angela Gomide e Alboni Vieira, até finais da Grande Guerra (1914-1918) o pensamento intelectual pedagógico que balizará a formação docente será, em quase toda a sua totalidade, da França, o que na maioria das vezes se torna inadequado às exigências nacionais (GOMIDE & VIEIRA, página 41, 2008). Como a figura do professor é a parte fundamental do processo pedagógico (por ser um dos vetores que fará valer o sistema educacional), é imprescindível que haja uma bem sucedida formação destes para que apareçam bons indivíduos pensantes. Como realizar uma boa formação se seus métodos e ideologias estão voltados para realidades diferentes das suas?
Desta forma, exemplificando com bases empíricas a situação atual da formação de professores, o jornal Zero Hora, em uma matéria publicada no dia 27 de agosto de 2013, divulgou a possibilidade e o desejo do Ministério da Educação (MEC) de atrair professores para instituições de ensino que carecem de docentes ou que não os possuem comparados ao número de alunos. Sem entrar na discussão factível ou não do programa “Mais Professores” do Compromisso Nacional pelo Ensino Médio, a matéria expõe o que aqui desejamos clarear, o imenso acúmulo teórico e prático obtido por décadas de gestão da educação e as inúmeras experiências valiosas da União, dos Estados e dos municípios nesse terreno devem servir de parâmetro para que se estabeleçam metas claras e exequíveis e não se dispersem recursos materiais nem humanos.[4]
Retornando ao levantamento histórico, com a criação em 1835 da primeira Escola Nova (estruturada nos moldes dos franceses), o Império brasileiro dava início ao caminho em direção a formação de indivíduos que conseguiriam lecionar a outrem conteúdos programáticos. Neste momento surge o maior entrave pedagógico relacionado à formação dos professores, que a partir do século XXI tornar-se-á ainda mais defeituoso e letárgico: a dissociação do ensino superior e primário entre a União e as Províncias, respectivamente.
Esta dissociação resulta no que hoje vemos como a formação do bacharelado e de licenciatura. Além de o estudante poder optar entre ser bacharel ou, além de bacharel ser licenciado a lecionar, a formação para tais títulos se dá em ambientes diferentes, escolas diferentes. Não apenas a separação dos conteúdos; uma formação apenas teórica, outra apenas prática; há também o papel do Estado frente à disponibilização desta educação.
Enquanto a educação pública era ofertada em sua quase totalidade pelo Estado, igual para todos; no contexto brasileiro pós-ditadura militar, a classe burguesa começa a distanciar a figura do Estado como provedor de uma educação para todos, buscando através do lucro frente ao capital abrir espaço à classe empresarial. É neste momento, no governo de Fernando Henrique Cardoso, mais precisamente no final do seu primeiro mandato (1995-1999) que a concepção política do neoliberalismo será empregada no Brasil, proporcionando diversas mudanças na estratégia educacional, onde a formação dos professores também irá ser alvo de modificações. Retomando aqui a matéria do Zero Hora, a própria reportagem conclama não apenas o Estado, mas as empresas e famílias, que se unam em prol do programa de “arrecadação” de docentes para instituições de ensino mais abastadas, demonstrando a forte presença do ideal neoliberal para a educação.
Como nos informa a professora da UNICAMP Maria de Fátima Rodrigues Pereira, um número nunca antes produzido de regulamentações foi formatando, cercando, disciplinando, controlando a educação e a formação de professores e o sentido foi marcado pela desoneração, a acentuação da fragilização da formação dos professores agora entregue, em sua maioria, à iniciativa do empresariado e conformada, portanto, à obtenção do lucro[5].  Como exemplo ilustrativo das mudanças que o governo neoliberal de FHC realizará o decreto nº 3.276/99, de 1999, dispunha no artigo que a formação dos professores para a educação básica passará a ser realizada “exclusivamente nos cursos normais superiores”.
Enquanto outrora a formação dos professores ficava a cargo exclusivamente dos serviços prestados pelo Estado, no século XXI, à luz também de movimentos reformistas por toda a América Latina[6], a formação dos professores passa a ser preocupação da iniciativa do empresariado, que através de um caráter de desoneração do sistema, torna-se responsável pela histórica fragilidade do processo formativo. Neste momento o discurso político será o de que quanto menos houver interferência do Estado na educação, e conseqüentemente, mais espaço para instituições não-estatais ou privadas, a educação evoluirá, pois haverá competição e maior organização na sua distribuição. A escola se transforma no sinônimo de empresa, visando sempre o lucro.
Em 2001, através da lei 10.172, o Plano Nacional de Educação é sancionado, destacando-se [na votação] os que concorrem para a desoneração do Estado para com as universidades federais e a famosa questão da autonomia financeira. (PEREIRA, 2007). Será como a própria autora destaca: uma lógica de gerenciamento que proverá a educação e a formação de docentes.
O contexto político que se dará após a Guerra Fria[7] e principalmente o ideário lucrativo da pós-modernidade fará da educação; que como demonstramos acima, já era utilizado de certa forma (os jesuítas instruíam os índios para que estes pudessem tornar-se cristãos, não para que eles aprendessem a cultura européia) no início do processo no Brasil; um empreendimento de alta lucratividade às empresas, especialmente no governo FHC, de 1995 até 2002, onde o país foi altamente receptivo as iniciativas privadas.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOMIDE, Angela Galizzi Vieira; VIEIRA, Alboni Marisa Dudeque Pianovski. História da formação de professores no Brasil: o primado das influências externas. VII Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, 2008.
MATOS, Andrea Maria dos Santos. Métodos de Ensino, Manuais, um Idealizador: Baltazar Góes e sua Aritmética. Anais do IX Seminário Nacional de História da Matemática.
PEREIRA, Maria de Fátima Rodrigues. Formação de Professores: Uma Discussão Necessária. In: VI Congresso Internacional de Educação, 2007, Caçador. Educação: Visões Críticas e Perspectivas de mudança... . Concórdia: Biblioteca Universitária, 2007. v. 1. p. 01-14.
SAVIANI, Demerval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009.
TANURI, Leonor Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação. Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14.
VALDEMARIN, V. T. O método intuitivo: os sentidos como janelas e portas que se abrem para um mundo interpretado. In: SOUZA, R. F. de; VALDEMARIN, V. T.; ALMEIDA, J.S. de (orgs.). O legado educacional do século XX. Araraquara: UNESP - Faculdade de Ciências e Letras, 1998. p. 64-105.


[1]  Artigo produzido como parte da disciplina Educação Brasileira, ministrada pelo professor Armando Arosa, na Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ.
[2] Aluno de graduação do 6º período do curso de História pela UFRJ. Para contato: pedrobejaaguiar@gmail.com
[3]  Não é objetivo de o artigo negar ou excluir a educação já existente em terras brasileiras antes da chegada dos portugueses. No entanto, como a proposta é traçar um olhar sobre a formação dos professores no período pós-ditadura militar, e com a necessidade de clarear o início da influência europeia na formação, não achamos necessário nos deter a educação pré-colonial.
[4]  Parte retirada do jornal Zero Hora, publicado em 27/09/2013. Ver em: http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2013/08/27/editorial-mais-educacao/?topo=13,1,1,,,13
[5]  PEREIRA, 2007.
[6]  Remete-se a estes movimentos reformistas o estímulo de organismos internacionais como a UNESCO, o Banco Mundial, a CEPAL, o UNICEF, entre outros. O contexto político do capitalismo pujante, com o capital servindo de motriz para as relações pessoais e o lucro como o único objetivo das instituições, e não somente, fez com que a educação também fosse moldada a tornar-se uma instituições lucrativa em primeiro plano.
[7]  Com o fim da União Soviética ao final da Guerra Fria, içando o EUA à maior potência do mundo, o contexto político será balizado por uma reorganização do capital monopolista, o que significa que haverá uma realocação do capitalismo com um único pólo gerenciador e controlador, o governo e as indústrias americanas.