O NEOLIBERALISMO E A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES [1]
Pedro Beja Aguiar [2]
A História, como um campo científico,
possui métodos e teorias que a sustentam e justificam frente aos eventos de
médio e longo prazo que seus resultados proporcionam. Desta maneira, nada que
esteja no campo sistemático da História deve ser analisada individualmente, a
parte de processos anteriores, principalmente se estes forem consequências
duradouras de resultados antigos.
Não pretendemos aqui afirmar a História
como uma disciplina de progressos históricos, de processos evolutivos em que
cada evento está entrelaçado ao anterior, e que estará diretamente relacionado
ao ulterior. Isto seria um equívoco. No entanto, com a proposta de abrir um
debate sobre a discussão da formação dos professores no Brasil contemporâneo,
principalmente no período pós-ditadura militar, quando o regime neoliberal se
impôs nas mentalidades governistas, é imprescindível denotar aspectos reflexivos
de situações passadas na história brasileira.
Como marca indelével da pedagogia
nacional, a formação de professores desde as primeiras aparições nas terras
coloniais portuguesas foi extremamente influenciada pelos resultados e aspectos
europeus, mais precisamente franceses. Desde o século XVI, quando pelas “novas
terras” de Avis apenas se encontravam índios seminus, os portugueses e,
principalmente, a Companhia de Jesus, já buscavam formas de ensinamento àqueles
selvagens[3],
principiando aos jesuítas (homens de fé, divulgadores dos princípios cristãos)
o julgo da instrução civilizadora. Mesmo com a chegada de Sebastião José de Carvalho e Melo, o
Marquês de Pombal, que rapidamente encerrou a atuação dos jesuítas e, por
conseguinte, a escravidão indígena, a educação que visava à formação
docente ainda não era pensada como algo fundamental e definidor.
Como mencionado acima, não nos ateremos
aos meandros da história da formação dos professores, pois já existem trabalhos
que o fazem muito bem (SAVIANI, 2009; TANURI, 2000; GOMIDE, 2008), mas apenas a
pontos específicos que confirmam a nossa tese de que tal formação é
estritamente um resultado de erros históricos em diferentes contextos políticos
e sociais. Como bem colocam Angela Gomide e Alboni Vieira, até finais da Grande
Guerra (1914-1918) o pensamento intelectual pedagógico que balizará a formação
docente será, em quase toda a sua totalidade, da França, o que na maioria das
vezes se torna inadequado às exigências nacionais (GOMIDE & VIEIRA, página
41, 2008). Como a figura do professor é a parte fundamental do processo
pedagógico (por ser um dos vetores que fará valer o sistema educacional), é
imprescindível que haja uma bem sucedida formação destes para que apareçam bons
indivíduos pensantes. Como realizar uma boa formação se seus métodos e
ideologias estão voltados para realidades diferentes das suas?
Desta forma, exemplificando com bases
empíricas a situação atual da formação de professores, o jornal Zero Hora, em uma matéria publicada no
dia 27 de agosto de 2013, divulgou a possibilidade e o desejo do Ministério da
Educação (MEC) de atrair professores para instituições de ensino que carecem de
docentes ou que não os possuem comparados ao número de alunos. Sem entrar na
discussão factível ou não do programa “Mais Professores” do Compromisso
Nacional pelo Ensino Médio, a matéria expõe o que aqui desejamos clarear, o imenso acúmulo teórico e prático
obtido por décadas de gestão da educação e as inúmeras experiências valiosas da
União, dos Estados e dos municípios nesse terreno devem servir de parâmetro
para que se estabeleçam metas claras e exequíveis e não se dispersem recursos
materiais nem humanos.[4]
Retornando ao levantamento histórico,
com a criação em 1835 da primeira Escola Nova (estruturada nos moldes dos
franceses), o Império brasileiro dava início ao caminho em direção a formação
de indivíduos que conseguiriam lecionar a outrem conteúdos programáticos. Neste
momento surge o maior entrave pedagógico relacionado à formação dos
professores, que a partir do século XXI tornar-se-á ainda mais defeituoso e
letárgico: a dissociação do ensino superior e primário entre a União e as
Províncias, respectivamente.
Esta dissociação resulta no que hoje
vemos como a formação do bacharelado e de licenciatura. Além de o estudante
poder optar entre ser bacharel ou, além de bacharel ser licenciado a lecionar,
a formação para tais títulos se dá em ambientes diferentes, escolas diferentes.
Não apenas a separação dos conteúdos; uma formação apenas teórica, outra apenas
prática; há também o papel do Estado frente à disponibilização desta educação.
Enquanto a educação pública era ofertada
em sua quase totalidade pelo Estado, igual para todos; no contexto brasileiro
pós-ditadura militar, a classe burguesa começa a distanciar a figura do Estado como
provedor de uma educação para todos, buscando através do lucro frente ao
capital abrir espaço à classe empresarial. É neste momento, no governo de Fernando
Henrique Cardoso, mais precisamente no final do seu primeiro mandato
(1995-1999) que a concepção política do neoliberalismo será empregada no
Brasil, proporcionando diversas mudanças na estratégia educacional, onde a
formação dos professores também irá ser alvo de modificações. Retomando aqui a
matéria do Zero Hora, a própria
reportagem conclama não apenas o Estado, mas as empresas e famílias, que se
unam em prol do programa de “arrecadação” de docentes para instituições de
ensino mais abastadas, demonstrando a forte presença do ideal neoliberal para a
educação.
Como nos informa a professora da UNICAMP
Maria de Fátima Rodrigues Pereira, um
número nunca antes produzido de regulamentações foi formatando, cercando,
disciplinando, controlando a educação e a formação de professores e o sentido
foi marcado pela desoneração, a acentuação da fragilização da formação dos
professores agora entregue, em sua maioria, à iniciativa do empresariado e
conformada, portanto, à obtenção do lucro[5]. Como exemplo ilustrativo das mudanças que o
governo neoliberal de FHC realizará o decreto nº 3.276/99, de 1999, dispunha no
artigo que a formação dos professores para a educação básica passará a ser
realizada “exclusivamente nos cursos normais superiores”.
Enquanto outrora a formação dos
professores ficava a cargo exclusivamente dos serviços prestados pelo Estado,
no século XXI, à luz também de movimentos reformistas por toda a América Latina[6], a
formação dos professores passa a ser preocupação da iniciativa do empresariado,
que através de um caráter de desoneração do sistema, torna-se responsável pela
histórica fragilidade do processo formativo. Neste momento o discurso político
será o de que quanto menos houver interferência do Estado na educação, e
conseqüentemente, mais espaço para instituições não-estatais ou privadas, a
educação evoluirá, pois haverá competição e maior organização na sua
distribuição. A escola se transforma no sinônimo de empresa, visando sempre o
lucro.
Em 2001, através da lei 10.172, o Plano
Nacional de Educação é sancionado, destacando-se
[na votação] os que concorrem para a
desoneração do Estado para com as universidades federais e a famosa questão da
autonomia financeira. (PEREIRA, 2007). Será como a própria autora destaca:
uma lógica de gerenciamento que proverá a educação e a formação de docentes.
O contexto político que se dará após a
Guerra Fria[7]
e principalmente o ideário lucrativo da pós-modernidade fará da educação; que
como demonstramos acima, já era utilizado de certa forma (os jesuítas instruíam
os índios para que estes pudessem tornar-se cristãos, não para que eles
aprendessem a cultura européia) no início do processo no Brasil; um
empreendimento de alta lucratividade às empresas, especialmente no governo FHC,
de 1995 até 2002, onde o país foi altamente receptivo as iniciativas privadas.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
GOMIDE, Angela Galizzi
Vieira; VIEIRA, Alboni Marisa Dudeque Pianovski. História da formação de professores no Brasil: o primado das
influências externas. VII Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, 2008.
MATOS, Andrea
Maria dos Santos. Métodos de Ensino,
Manuais, um Idealizador: Baltazar Góes e sua Aritmética. Anais do IX
Seminário Nacional de História da Matemática.
PEREIRA,
Maria de Fátima Rodrigues. Formação de
Professores: Uma Discussão Necessária. In: VI Congresso Internacional de
Educação, 2007, Caçador. Educação: Visões Críticas e Perspectivas de mudança...
. Concórdia: Biblioteca Universitária, 2007. v. 1. p. 01-14.
SAVIANI,
Demerval. Formação de professores:
aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista
Brasileira de Educação v. 14 n. 40 jan./abr. 2009.
TANURI, Leonor
Maria. História da formação de professores. Revista Brasileira de Educação.
Mai/Jun/Jul/Ago 2000 Nº 14.
VALDEMARIN, V.
T. O método intuitivo: os sentidos como janelas e portas que se abrem para um
mundo interpretado. In: SOUZA, R. F. de; VALDEMARIN, V. T.; ALMEIDA, J.S. de
(orgs.). O legado educacional do século XX. Araraquara: UNESP - Faculdade de
Ciências e Letras, 1998. p. 64-105.
[1] Artigo
produzido como parte da disciplina Educação Brasileira, ministrada pelo
professor Armando Arosa, na Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ.
[2]
Aluno de graduação do 6º
período do curso de História pela UFRJ. Para contato: pedrobejaaguiar@gmail.com
[3] Não
é objetivo de o artigo negar ou excluir a educação já existente em terras
brasileiras antes da chegada dos portugueses. No entanto, como a proposta é traçar
um olhar sobre a formação dos professores no período pós-ditadura militar, e
com a necessidade de clarear o início da influência europeia na formação, não achamos
necessário nos deter a educação pré-colonial.
[4] Parte
retirada do jornal Zero Hora, publicado
em 27/09/2013. Ver em: http://wp.clicrbs.com.br/opiniaozh/2013/08/27/editorial-mais-educacao/?topo=13,1,1,,,13
[6] Remete-se
a estes movimentos reformistas o estímulo de organismos internacionais como a
UNESCO, o Banco Mundial, a CEPAL, o UNICEF, entre outros. O contexto político
do capitalismo pujante, com o capital servindo de motriz para as relações
pessoais e o lucro como o único objetivo das instituições, e não somente, fez
com que a educação também fosse moldada a tornar-se uma instituições lucrativa
em primeiro plano.
[7] Com
o fim da União Soviética ao final da Guerra Fria, içando o EUA à maior potência
do mundo, o contexto político será balizado por uma reorganização do capital
monopolista, o que significa que haverá uma realocação do capitalismo com um
único pólo gerenciador e controlador, o governo e as indústrias americanas.