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Politicas educacionais na imprensa

14 de jul. de 2016

A DIMENSÃO EDUCATIVA DA GREVE/OCUPAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE

A DIMENSÃO EDUCATIVA DA GREVE/OCUPAÇÃO E A PRÁTICA DOCENTE

Ivan Hanauer 1
Laís de Oliveira 2



O objetivo do nosso trabalho é buscar e analisar notícias e artigos que representem a visão da mídia em relação à imagem do professor durante as greves e/ou ocupações tanto na educação básica quanto no ensino superior. Especificamente, objetivamos mostrar como os meios de informação tratam a postura do profissional de educação nesse contexto.
A partir de uma pesquisa no jornal O Globo online, com as seguintes palavras-chave: “professor”, “aula”, “greve” e “ocupação”, buscamos dados que, a partir desse recorte, evidenciassem o trato da mídia sobre a prática docente durante as greves e ocupações, ou seja, durante a ausência das aulas regulares e oficiais, com a finalidade de se concluir como esta prática é considerada (ou não considerada). Escolhemos o jornal O Globo pela sua referência e relevância na formação de opinião, portanto, pensamo-la como representativa da grande mídia.
Na diversidade dos títulos das matérias que constitui o corpus encontrado, observa-se o trato técnico e burocrático sobre o ensino, focalizando, a partir do plano de fundo de greve e/ou ocupação, somente preocupações quanto à continuação ou o término destes, ou, ainda, sobre o fato de haver ou não aula. A observação fica evidente com os seguintes trechos:

Membros do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro(Sepe) e professores participam de uma reunião na manhã desta quinta-feira (2), onde vão decidir se a greve vai continuar ou não. (GLOBO, 02/06/2016)
De acordo com o professor de história José Eduardo Mariani, nenhum professor que não está em greve foi ao colégio nesta quinta. "No caso aqui da nossa escola, 80% dos professores estão em greve. Então, mesmo que não viesse professor não-grevista aqui, hoje, só 20% iria dar aula", afirmou. (GLOBO, 02/06/2016)

A concepção de “aula” é a que se referem é o encontro formal que segue uma certa lógica temática dentro de um espaço e tempo delimitados, e dentro de uma dada conjuntura de status quo. Qualquer adversidade que fira essa conjuntura já põe em jogo a existência de uma “aula”, ainda que se possa observar práticas educativas fora desse formato conservador ­– inovação que pode ser até mais impactante e produzir com mais rigor o senso crítico nos estudantes.
Dentre os oito artigos resultantes da pesquisa, nenhum ocupou-se ou interessou-se sobre a função do professor como educador fora de sala de aula e de sua prática profissional, tendo em vista a mobilização comum destes durante as greves e ocupações, realizando encontros, debates, “aulões”, ou até mesmo em orientações informais. A mídia (representada, nesta pesquisa, pelo jornal O Globo) focaliza somente a dimensão técnica do professor, enquanto regente de aulas regulares destinadas a funções específicas: dar todo um conteúdo pré-definido para exames, como vestibulares, ou para a qualificação para o mercado de trabalho. Weber (2003) apresentou uma justificativa para essa concepção limitada da função de um professor:

Essa visão profissionalizante da docência, com predomínio do seu caráter tecnicista e instrumental, em um contexto no qual se consolidava a compreensão da importância da educação escolar para a construção da democracia e ganhava relevo o papel do professor, como educador, na oferta de uma escolarização de qualidade, tornou-se um obstáculo considerável para o debate a respeito da profissionalização da atividade de ensino no país”. (WEBER: 1131)

Como se pode observar, essa concepção, de um certo modo, limita a prática da profissão, sendo que para ser professor é preciso ter consciência da necessidade de abordar não somente conteúdos disciplinares e sim promover o desenvolvimento da consciência crítica dos alunos, ajudá-los a se reconhecerem como cidadãos e a terem ciência da sociedade ao seu redor.
Observamos também que evidencia-se somente seu papel burocrático na luta pela continuação ou extinção da greve ou do movimento/ocupação. Quando é citada alguma atividade durante a greve, esta segue os moldes dos conteúdos das aulas regulares:

Durante o período de greve e ocupação, os professores grevistas fazem oficinas para as provas do Enem com os estudantes para eles não se prejudicarem no vestibular [...].(GLOBO, 02/06/2016)

Ou ainda:

Durante a ocupação, que já dura algumas semanas, alunos do movimento afirmaram que durante a paralisação, ocorreram “aulas no estilo ocupação”, onde os alunos, esporadicamente, recebiam conteúdo de determinada disciplina por algum professor. (GLOBO, 02/06/2016)

Alguns outros indícios nos próprios artigos e notícias evidenciam a existência de atividades alternativas e mediações dos professores durante a greve/ocupação, mas não desenvolve-se qualquer trato aprofundado que legitime, de alguma maneira, essa prática educativa, pois limitam-se à descrição do fato sem situar a importância da prática docente durante esses momentos:

Professores da escola ligados ao Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) orientavam os alunos para que evitassem confusão e sujeira no colégio. Comissões formadas pelos manifestantes se organizavam para promover aulas e atividades culturais, limpeza e alimentação (...) (GLOBO, 23/03/2016)


O mais próximo que chegou-se a uma reflexão crítica sobre a relevância político-social da greve ou das ocupações — um artigo intitulado Quais partidos nascerão desses jovens que ocupam escolas? — não considerou o papel fundamental do professor como educador e mediador de um momento formador de protagonismos dos jovens, limitou-se a situar a importância e centralidade do assunto:

A ocupação das escolas e a greve dos professores deveriam ser a principal pauta da cidade, mas vivemos o folhetim do impeachment e simplesmente ignoramos outros fatos decisivos de nosso futuro. (GLOBO, 3/04/2016)

Diante das observações elencadas, podemos depreender que o não tratamento do posicionamento político-social do professor em sua prática pedagógica fora de sua função técnica, nos revela, nas entrelinhas, certo desdém em relação ao papel da educação como formadora de cidadãos conscientes de suas realidades sociais. Ou até mesmo um abafamento da força político-social de um profissional da educação.




Referências


WEBER, S. PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE E POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL. Educ. Soc., Campinas, vol. 24, n. 85, p. 1125-1154, dezembro 2003.Disponível em <http://www.cedes.unicamp.br/>
Matérias investigadas






















1 – Graduando de Letras – Português-Literaturas na Universidade Federal do Rio de Janeiro
2 - Graduanda de Letras – Português-Literaturas na Universidade Federal do Rio de Janeiro




DATA DE CONCLUSÃO: 14/07/2016

A REPRESENTAÇÃO DA MÍDIA SOBRE O PAPEL DO PROFESSOR NO USO DE NOVAS TECNOLOGIAS

A REPRESENTAÇÃO DA MÍDIA SOBRE O PAPEL DO PROFESSOR NO USO DE NOVAS TECNOLOGIAS
Beatriz Nascimento¹
Isabela Fontenelles²

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa que procura compreender como a imprensa constrói, em suas matérias, uma representação a respeito do papel do professor no uso de novas tecnologias– TICs. A pesquisa foi desenvolvida na disciplina de Profissão Docente, na Universidade Federal do Rio Janeiro, no período de 2016.1, sob a orientação do professor Armando Arosa. Ela se deu de maneira exploratória utilizando, para a construção do corpus, sites de reportagens como O Globo, Veja, Nota 10, entre outros, os quais em sua maioria foram encontrados através do blog sobre Políticas educacionais na imprensa brasileira, coordenado pelo professor. Estas reportagens, apesar estarem totalmente relacionadas às políticas educacionais, apresentam tópicos que reforçam a supervalorização das tecnologias em relação ao trabalho do professor.
Tendo em vista as representações atuais da mídia sobre o trabalho do professor relacionado ao uso de novas ferramentas tecnológicas e os estudos sobre este tema nas aulas de profissão docente de 2016.1, este trabalho visa, além de discutir tais temas, contribuir para a compreensão das imagens que a imprensa apresenta sobre o papel do professor no uso de novas tecnologias. É importante observar tais aspectos de forma crítica. Sutilmente, a mídia utiliza elementos que podem enaltecer ou desvalorizar o papel do professor, o que se torna ainda mais visível quando relacionado ao uso de ferramentas que vem ocupando o papel do mesmo em muitos contextos. Desta forma, queremos descobrir quais elementos a imprensa utiliza para promover esta representação do professor relacionada ao uso de novas tecnologias no ensino e o que ela afirma como verdadeiro sobre o papel do professor nesta relação.

A Tecnologia e o Ensino

É inegável a inserção da tecnologia na vida cotidiana da maioria da população. Dados do IBGE apontam que quase metade da população brasileira possui acesso à internet e 57% já utiliza internet através de tablets e smartphones. Ao observar não somente os dados, mas principalmente a realidade da presença da tecnologia ao nosso redor, é preciso pensar em como a nação lida com sua inserção no ensino.
Estudos atuais defendem o chamado letramento digital, como algo extremamente necessário a ser incluído na educação. Wielewick (2015) defende que o uso de tecnologias em sala de aula colabora para a educação universal garantida pela constituição, pois ela, além de facilitar o ensino para alunos com dificuldades de aprendizagem na forma regular, proporciona diferentes possibilidades de ensino para alunos que possuem necessidades especiais. Por exemplo, há uma grande quantidade de alunos hiperativos ou autistas que conseguem compreender narrativas apresentadas em aparelhos multimídia, mas não conseguem se concentrar em livros escritos. Para ela, o uso de novas tecnologias colabora para um ensino pluralista em que alunos de ensino regular e com necessidades especiais conseguem conviver em uma mesma sala de aula, tendo ambos acesso a um ensino eficaz.
Por outro lado, a autora também aponta que os alunos já chegam à sala de aula com seu conhecimento prévio, o qual, em muitos aspectos, está ligado com essa esfera digital. Crianças de 2 a 3 anos já conhecem muito mais um celular do que o alfabeto. Muitos desses alunos, por exemplo, conseguem compreender narrativas presentes em jogos, porém não aquelas presentes em livros escritos. Isso prova que o professor precisa saber lidar com essa realidade em sala de aula de forma eficaz para a aprendizagem do aluno.

A inserção das TICs em sala de aula

À medida que os jovens estão cada vez mais associados às novas tecnologias e ao compreender que o uso destas pode ser uma alavanca para a obtenção de um bom rendimento, o sistema educacional propõe enquadrar ao uso das mesmas, de maneira que o ensino se torne mais estimulante para o aprendizado do aluno. A forma como o sistema educacional incorpora as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) pode afetar diretamente na diminuição da exclusão digital existente no país, pois essa incorporação no ensino tem o poder de inserir tanto alunos quanto professores no mundo tecnológico.
No que se refere ao espaço escolar, Rojo (2012) afirma que “precisamos pensar um pouco em como as novas tecnologias da informação podem transformar nossos hábitos institucionais de ensinar e aprender” (página), pois o uso de tecnologias dentro da sala de aula pode ser uma importante ferramenta de pesquisa, por exemplo. Entranto, é necessário deixar claro que a tecnologia deve ser vista como ferramenta e o professor o profissional a lidar com esta, e não o contrário.



A problemática no excesso de discursos sobre as TICs

Apesar de o uso das TICs ser bem visto por vários estudiosos como Vera Helena Wielewick e Roxane Rojo, pois de fato são ferramentas importantes e com poder transformador, é necessário observar com cuidado e atenção esse discurso de inovação nas práticas pedagógicas. António Nóvoa (1999) aponta aspectos, ainda presentes em nossa sociedade, relacionados ao papel do professor, os quais refletem a retórica do desempenho deste na construção da “sociedade do futuro”. O autor critica esse “excesso de futuro” nos discursos educacionais e afirma que isso é um reflexo de uma “falta de presente”, ou seja, estes discursos estão preocupados com, por exemplo, a tecnologia a ser inserida em sala de aula, mas não se preocupam com o ensino atual e como ele tem se desenvolvido. De acordo com ele, estes discursos a favor do “excesso de futuro” atrapalham o trabalho do professor no presente. Ele afirma que a “tecnologização do ensino” leva, inevitavelmente, a “uma secundarização dos professores, ora obrigados a aplicarem materiais curriculares pré-preparados, ora condicionados pelos meios tecnológicos ao seu dispor. O reforço de práticas pedagógicas inovadoras, construídas pelos professores a partir de uma reflexão sobre a experiência, parece ser a única saída possível” (p. 12). Desta forma, o professor por muitas vezes se torna refém da tecnologia, pois ela é imposta como superior ao trabalho do professor, como se este só pudesse desenvolver um bom trabalho através delas.
Essa questão está estritamente relacionada com os discursos sobre a formação do professor. Para a sociedade atual, um professor bem formado é aquele que utiliza com propriedade diversas tecnologias no ensino. O professor é visto como um profissional que precisa se reinventar frente à inovação imposta no ensino. Os professores que optam por não utilizar as TICs em suas aulas são visto muitas vezes como despreparados, mal formados, ou que, até mesmo, não se atualizam. É claro que existe sim uma parcela de profissionais que não utilizam tais ferramentas por não as conhecerem, e principalmente por não haver recursos para que eles as utilizem de forma produtiva. A tecnologia, quando aplicada eficientemente em sala de aula, é apenas uma ferramenta que pode auxiliar o trabalho do professor, pois ela deve estar a favor dele. Entretanto, este excesso de discurso em prol de novas ferramentas tecnológicas no ensino promove uma inversão de papéis no qual a tecnologia se torna agente e o professor paciente.

A metodologia de pesquisa

Os discursos sobre o uso das TICs na educação são heterogêneos, principalmente quando este assunto é discutido em sites de reportagens online. A depender do público-alvo e do objetivo escolhido pelo autor, as reportagens oscilam entre as que valorizam e as que desvalorizam o professor ao representa-lo nas notícias. Para promover uma pesquisa exploratória, procuramos estabelecer como critério de pesquisa reportagens que abordassem o uso das TICs em sala de aula e que também abordassem o papel do professor neste processo. Nossa pesquisa se iniciou em sala de aula e a maioria dos sites analisados foi encontrada através do blog Políticas educacionais na imprensa brasileira do professor Armando Arosa (UFRJ). Para observar a diferença entre as reportagens, fizemos um recorte temporal entre o ano de 2012 e o ano de 2016. Decidimos pesquisar reportagens relacionados ao tópico educação e tecnologia entre estes anos para comparar a progressão entre reportagens de um mesmo site e de sites diferentes. Fizemos uma tabela para as reportagens encontradas e as organizamos por: ano, título, autor, fonte, destaque (trechos do que mais nos chamou atenção para a pesquisa) e aspecto (se apresenta um papel positivo ou negativo do professor). Ao organizarmos as informações escolhemos algumas matérias para destacar neste trabalho. Nossa pesquisa tem como objetivo identificar quais elementos a imprensa utiliza para promover a representação do professor relacionada ao uso de novas tecnologias no ensino e o que ela afirma como verdadeiro sobre o papel do professor nesta relação. Tanto os endereços dos sites selecionados para nosso recorte de análise quanto o blog de pesquisa estarão disponíveis em anexo, porém somente sete matérias serão analisadas no presente trabalho, pois estas refletem aspectos mais explícitos que colaboram para o objetivo de nossa pesquisa.

A imprensa e a representação do papel do professor no uso das TICs

Após determinar nosso objetivo de análise e critérios de pesquisa, encontramos vinte e uma reportagens que apareceram entre os anos de 2012 e 2016. Ao analisar essas reportagens, observamos que, apesar de todas colaborarem para a análise, sete delas apresentam maior explicitação de diferentes aspectos relacionados à representação do papel do professor quanto ao uso das TICs. Seguindo na análise, percebemos que as reportagens se dividem entre as que apresentam o professor de forma positiva e as que o apresentam de forma negativa. As que o apresentam de forma positiva abordam um equilíbrio no uso das TICs na educação. Elas apresentam a figura do professor como mediador no ensino e mostram que as tecnologias são ferramentas subordinadas a ele, as quais podem o auxiliar no seu trabalho. Por outro lado, as que o apresentam de forma negativa supervalorizam o uso de novas tecnologias no ensino, desqualificam o professor e seu papel, ou, até mesmo, nem abordam o papel do professor neste processo.

A representação negativa do papel do professor

O corpus selecionado para análise, em sua maioria, contém reportagens que se dispõem de aspectos comuns como a abordagem das novas tecnologias. Dos vinte e um sites encontrados, apenas um terço apresenta um aspecto positivo na representação do professor; todos os outros diminuem ou deturpam o papel do educador. Uma das reportagens quem mais nos chamou atenção foi a que possui como título “‘Escola deve usar redes sociais com foco educativo’, diz especialista” presente no jornal O Globo, escrita por Gabriela Belém e postada em 5 de setembro de 2012. A notícia é baseada em um congresso de tecnologia e educação que ocorreu na mesma época em Recife. A reportagem ressalta a importância da inserção das TICs na educação e aponta o professor como um dos empecilhos para esta inserção efetiva. Ela entrevista a mestranda em Educação para Ciências e graduada em física Rosana Cavalcanti, a qual afirma que “os próprios professores não utilizam as redes sociais entre si, [e que] se conseguíssemos incluí-las já no currículo da formação inicial dos docentes, seria ideal”. A mestranda continua, afirmando que “o professor não é mais o único detentor da informação. Ele tem de aprender a conviver com isso e precisa ter a noção de que não sabe tudo. É uma área que ainda terá muitos desafios pela frente”. Esses são alguns dos trechos presentes nesta reportagem que retratam o educador como um profissional orgulhoso, teimoso, incompreensível e limitado. Além dela, a autora entrevista outras pessoas ligadas à área da educação, os quais a autora denomina “especialistas”. Assim como Rosana, estes apresentam somente uma perspectiva negativa sobre o professor e seu trabalho atualmente quanto ao uso das TICs. Entretanto, em momento algum a autora entrevista os próprios professores e alunos envolvidos nesta dinâmica.
Outra reportagem interessante que encontramos foi a que afirma que o “Governo falha ao introduzir tecnologia na escola”. Esta reportagem foi veiculada pela revista Veja em 20 de junho de 2012, escrita por Paula Reverbel. A reportagem se inicia com um subtítulo informando que sua constatação é baseada em uma pesquisa feita pelo Cetic.br (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação). A notícia se apresenta inicialmente de forma expositiva sobre a pesquisa, porém, ao longo do texto, ela vai se desenvolvendo de forma argumentativa. A falta de uso das TICs em sala de ela é um absurdo; os professores são apresentados como aqueles que deveriam obrigatoriamente utilizar esses matérias, entretanto não o utilizam. Ela relata que “podemos constatar que a adoção de tecnologia nas salas de aula não aumentou, apesar dos esforços do governo” e ainda destaca que “os professores de escolas públicas brasileiras quase não utilizam recursos tecnológicos – como computadores e internet – nas atividades mais realizadas em sala de aula”. O professor, além de não possuir voz na reportagem para se defender das afirmações ou, até mesmo, apresentar outra perspectiva sobre o assunto, ele também é tratado como um dos, ou o principal culpado, para o déficit de letramento digital na escola. A tecnologia, assim, se configura na reportagem como extremamente necessária a ser aplicada em sala de aula, além de se sobressair ao papel do professor.
Além destas, encontramos também reportagens que omitiam o papel do professor como uma veiculada pelo jornal O Estado de São Paulo em 11 de abril de 2013 cuja manchete é “Ensino freia adaptação ao mundo digital”, escrita por Jamil Chade. Como na maioria das notícias, esta reportagem se inicia apontando dados de pesquisas sobre a educação no Brasil e no mundo. Entretanto, a diferença é que esta notícia, apesar de falar sobre as tecnologias de informação, em momento algum falar sobre o professor. O educador é totalmente omitido na reportagem, o que reforça a representação negativa do mesmo.
A notícia que mais ressaltou uma representação negativa do papel do professor foi a reportada pelo Correio Braziliense em 16 de fevereiro de 2016, cuja manchete é “Opinião: a raiz de nossas crises”. Ela começa afirmando que o Brasil fracassa na educação e, para sustentar este argumento, ela aponta avaliações oficiais que comprovem esta afirmação. Porém, em momento algum a reportagem relata que avaliações são essas; de onde elas vêm ou o quê investigam de fato. A notícia desencadeia uma série de críticas à educação sem base alguma, sem dados nem referências. Nela é relatado que “os métodos de ensino estão distantes da forma como aprendemos hoje. Avanços tecnológicos que vêm impactando nossos hábitos e trabalhos não são utilizados [na escola]”. Ainda falando sobre a tecnologia, a reportagem relata que “o acesso à internet é praticamente inexistente [em sala de aula]. Novas descobertas das neurociências não influenciam as ações pedagógicas. Habilidades e competências essenciais para a vida são alijadas dos planejamentos de aulas”. O interessante é observar que todas essas afirmações parecerem estar pautadas somente na opinião do autor. Não há base para estes argumentos. Há uma série de opiniões infundadas sobre a educação e que reforçam uma imagem negativa do docente. A reportagem ainda reforça esse aspecto ao propor uma avaliação do trabalho do professor. Ela declara que os “professores, em geral, são pessoas idealistas, que se sentem desestimulados e incapazes frente ao sistema atual. (...) Macrotendências mundiais na didática, como aprendizagem baseada em projetos, personalização e gamificação são pouco conhecidas e falta infraestrutura para sua utilização”. Através destas afirmações o autor, além de colocar em questão a formação e preparo do professor, o retrata, assim como em outras reportagens, como um profissional desestimulado e ignorante.
Estas reportagens caracterizam o panorama atual da mídia sobre a representação do papel do professor frente às novas tecnologias de ensino. Estas são somente algumas dentre as que encontramos que supervalorizam o uso de tecnologias em sala de aula, como se as tecnologias fossem a primazia no ensino. Como consequência desta supervalorização, o professor é negativamente representado ou, até mesmo, não é referido nas reportagens. O educador parece ter seu papel transformado em um simples agente em sala de aula que fica às margens das decisões e deve somente atender o que o governo ou “especialistas” aconselham sobre a educação. O professor não possui voz nas reportagens, muito menos os alunos, pois o interessante para a mídia é basear-se em pesquisas (com fontes ou não) e em “experts sobre educação”. O trabalho do educador sempre é visto como precário ou insuficiente e ele é, na maioria das vezes, retratado como um ignorante privado de melhores condições para viver e trabalhar.



A representação positiva do papel do professor

Embora uma quantidade expressiva e dominante de reportagens abordem uma representação negativa do papel do professor quanto ao uso das TICs, há aquelas que apresentam essa relação e representação de forma equilibrada e positiva. A imprensa tem mostrado o espaço que as TICs vêm ocupando dentro do ambiente escolar e como os professores vem encarando essa nova realidade que é tão tecnológica. Perante relatos da imprensa entre 2012 e 2016 investigados neste trabalho, é possível observar que entre os anos de 2015 e 2016 esta representação positiva do professor quanto ao uso de novas tecnologias na educação se intensificaram, pois a imprensa parece estar mais ciente do papel central do professor na educação como mediador do conhecimento e que vai muito além do uso de novas tecnologias.
A reportagem intitulada “Professor fluminense destaca as opções que a tecnologia oferece para melhor ensinar”, veiculada pelo Portal MEC em 29 de setembro de 2015, aborda uma entrevista com o professor William James Erthal – professor de uma escola municipal da região serrana do Rio de Janeiro – o qual defende que o uso de tecnologias proporciona inúmeras possibilidades na sala de aula, principalmente como elemento integrador, facilitador e disseminador do processo de ensino-aprendizagem. Ele ainda enfatiza: “Com os equipamentos modernos e a internet cada vez mais veloz e acessível, tanto a comunicação quanto a busca por informação e a construção do conhecimento têm que ser apropriadas e aproveitadas pela escola”. Erthal fala sobre a importância que há em saber quando é o momento necessário de se fazer o uso dessa ferramenta que é a tecnologia: “Agregar a tecnologia à prática não é um fim em si, mas um instrumento na construção do conhecimento”. Esta reportagem valoriza o papel do professor e apresenta a tecnologia como ela verdadeiramente é: um instrumento que pode ser utilizado pelo educador em sua prática de ensino.
Outra entrevista que apresenta essa relação professor-tecnologia de forma equilibrada é a veiculada pelo jornal Nota 10 em 28 de setembro de 2015 cujo título é ”Curso capacita professores para o uso de recursos tecnológicos”. Na reportagem há uma entrevista com a professora Rose Cerny, a qual relata que há um grande desafio no uso da ferramenta tecnológica, pois não há uma implementação dos usos de tecnologias dentro do currículo da escola, muito menos uma reflexão sobre um uso consciente destas. Desta forma, o professor não consegue associar as TICs ao seu trabalho como recurso pedagógico que colabore no ensino-aprendizagem do aluno. Segundo ela, o objetivo é “formar educadores para integrar, crítica e criativamente, as tecnologias digitais de comunicação e informação aos currículos escolares” e não apenas usar essa tecnologia sem ter um planejamento da aula. Reportagens deste tipo, apesar de defenderem o uso das TICs, parecem se mostrar conscientes que elas devem ser trabalhadas como ferramentas para o auxílio do professor.
A imprensa, desta forma, tem acompanhado os programas criados pelo sistema educacional que tem como objetivo capacitar o professor, não só no manuseio de equipamentos como smartphones, tablets, computadores, etc, como também, oferecendo possibilidades de uso significativo dessa tecnologia para potencializar o processo de geração de conhecimento. Dessa forma, o professor aprende a utilizar esses equipamentos da forma como os alunos utilizam, incrementando com sua própria experiência e mostrando aos alunos o potencial inexplorado dessas ferramentas.
Além disso, essas reportagens, apesar de poucas em número, apresentam com maior propriedade a voz do professor e sua opinião sobre o assunto. O site Porvir, por exemplo, apresenta uma notícia, no dia 2 de março de 2016, intitulada “Professora supera internet lenta e ajuda turma a criar jogo campeão”. Esta reportagem, além de valorizar o uso de tecnologias em sala, consegue apresentar o importante papel do educador ao mostrar a opinião da professora e como ela utilizou a tecnologia como ferramenta no ensino. Desta forma, seu papel é preservado na reportagem como mediadora central nesta relação e não como um agente à margem das decisões.
É claro que as reportagens de maior veiculação, sejam de aspectos positivos ou negativos sobre o professor, valorizam o uso de tecnologias em sala de aula para atraírem os leitores curiosos por novidades. Todavia, algumas delas, principalmente as mais atuais, apresentam esta relação entre a tecnologia e o professor de forma mais equilibrada. As que apresentam esse aspecto o qual denominamos positivo procuram falar sobre as TICs lembrando sempre que o professor tem o poder sobre essas tecnologias e que elas são apenas instrumentos, muito interessantes por sinal, para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem. Há ainda muitas controvérsias no uso das inovações tecnológicas para a educação, porém é interessante encontrar entrevistas que apresenta essa valorização das mesmas de forma balanceada.

Conclusão

Assim como Wielewick (2015) compreende, acreditamos que as TICs devem ser empregadas em sala como ferramentas que podem auxiliar o trabalho do professor com alunos com necessidades especiais e alunos que não conseguem aprender nos moldes tradicionais. A tecnologia pode colaborar de forma positiva com o trabalho do professor e auxiliar alunos a compreenderem de formas diferentes e descobrir “novos mundos” através dela. Contudo, o professor deve ter preservado seu papel central nesta relação. A mídia, com seu poder informativo de massas, através das suas reportagens, pode colaborar com a valorização do professor e consequente melhora no ensino ou não. Quanto mais os discursos sobre educação enfatizarem o futuro, abordando novidades nas práticas de ensino, mudanças e tecnologias, por exemplo, mais haverá uma falta de “presente” (NÓVOA, 1999). É necessário pensar no uso das TICs sem desprezar a educação atual, como ela se dá, como ela se deu ao longo dos anos. Somente observar os pontos negativos não auxiliará na construção de uma educação melhor. Não se pode desprezar o papel do professor, seja em qualquer nível de ensino, como agente principal na educação. E ao retratá-lo de forma negativa, os veículos midiáticos intensificam ainda mais esse descaso real com o professor, o que pode gerar drásticos resultados na educação.
Conforme discutido anteriormente, Nóvoa (1999) afirma que o excesso de discursos sobre a tecnologização do ensino colabora para o cerceamento do trabalho do professor, o qual se sente obrigado a utilizar a tecnologia a qualquer custo para atender a exigências superiores a ele. Não é interessante utilizar a tecnologia de forma produtiva; o que a mídia propõe é simplesmente utilizar a tecnologia a qualquer custo, pois, para ela, os alunos necessitam estar informados e se sentem desmotivados com o ensino tradicional. A mídia apresenta a tecnologia como proposta irrecusável, pois é extremamente importante para um ensino eficaz. A mídia ignora todo o preparo do professor e sua capacidade de ensinar com tecnologia ou não. Ela reforça o aspecto da tecnologia como parte atuante na educação e o professor como paciente, à margem das decisões. Uma vez que a tecnologia ocupa o papel central na mídia, o professor se torna cada vez mais desvalorizado e mal representado.
A partir da análise do recorte temporal e do conteúdo do corpus, concluímos que as reportagens mais antigas tem tendência a representar o educador de forma negativa quando relacionado às novas ferramentas tecnológicas. Já os grupos de reportagens mais atuais, como os dos anos de 2015 e 2016, apresentam uma parcela de reportagens que parecem estabelecer um equilíbrio na representação da relação entre professor e tecnologia, pois o representam de forma positiva. As notícias que o representam de forma negativa tendem a centrar no despreparo do professor, na urgência de novas tecnologias e na aprendizagem eficaz somente através das TICs, apresentando o educador como algo periférico na educação, pois ele é quem deve se adequar às tecnologias. Além disso, essas reportagens não apresentam a opinião do professor, muito menos a dos alunos, pois valorizam as novas medidas adotadas pelo governo e as opiniões de “especialistas” na área da educação. Por outro lado, as notícias que representam o professor de forma positiva tendem a ressaltar o papel do professor como agente central e mediador. Elas, apesar de ressaltarem a importância da tecnologia, apresentam a função desta de forma clara, ou seja, afirmam que a tecnologia é apenas uma ferramenta nas mãos do professor que pode ser utilizada para auxiliar na educação, se abordada de forma consciente e crítica.
Entretanto, as reportagens que exibem essa representação positiva ainda são uma parcela bastante inferior quando comparadas às que representam o educador de forma negativa. Apesar de haver atualmente reportagens que apresentam um equilíbrio nessa relação professor-tecnologia, a grande maioria das reportagens, mesmo atualmente, ressalta o valor das tecnologias, desvalorizando o papel do professor. É essencial, portanto, adotar uma leitura crítica das notícias que circulam nas mídias, antes que informações e leituras incorretas, como a representação negativa do professor, corrompam ainda mais o papel de um profissional tão importante e essencial em nossa sociedade.


REFERÊNCIAS
NOVOA, António. Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educ. Pesqui. [online]. 1999, vol.25, n.1, pp.11-20.
ROJO, Roxane. Pedagogia dos multiletramentos – Diversidade cultural e de linguagem na escola, p.11-31. In: Multiletramentos na escola. Organizadores: Roxane Rojo e Eduardo Moura. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
WIELEWICKI, V. H. G. “Narrativas multimodais e possibilidades para uma educação pluralista”. In: TAKAKI, N. H.; MACIEL, R. F. (Orgs.). Letramentos em terra de Paulo Freire. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015.
Site Valor: http://www.valor.com.br/brasil/4027294/ibge-mais-de-50-usam-celular-e-tablet-para-acessar-internet - acessado em julho/2016




Reportagens acessadas analisadas entre Maio e Julho de 2016:


1 – Beatriz Nascimento, graduanda em Letras Português/Inglês da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
2 – Isabela Fontenelles, graduanda em Letras Português/Inglês da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 14 de julho de 2016

A “IDEOLOGIA DE GÊNERO” E SUA ABORDAGEM NAS ESCOLAS E NAS DEMAIS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS.

A “IDEOLOGIA DE GÊNERO” E SUA ABORDAGEM NAS ESCOLAS E NAS DEMAIS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS.

Amanda Souza Santos Rodrigues 1
Francis de Melo Valladares 2
Mariana Meireles de Oliveira Silva 3
Nayara Monique Fernandes Alves 4
Sarah Carolina Brandão de Souza 5


APRESENTAÇÃO
        O trabalho proposto visa mapear como a mídia retrata a figura do professor na educação brasileira atual, a partir da perspectiva da “ideologia de gênero”. Deste modo, o artigo tem como tema central a discussão da “ideologia de gênero” na educação brasileira, bem como o papel do professor promovendo tal debate em sala de aula. Para tratar deste tema, serão analisados 28 artigos que versam sobre esse assunto.
         Pressupunha-se que, nos dias atuais, a discussão de temas transversais como a “ideologia de gênero” estivesse em ascensão nas salas de aulas brasileiras. De modo análogo, acreditava-se que o professor tivesse a liberdade para propiciar tal debate em suas aulas, a fim de promover a igualdade de gêneros, tornando seus alunos cidadãos capazes de refletir sobre a sociedade a sua volta. Entretanto, análises iniciais indicaram que o docente não possui autonomia para tratar de tais temas, sendo censurados a tal ponto de sugerirem prisão para quem incluísse a “ideologia de gêneros” em sala.
Inicialmente, foi feita uma busca exploratória nos blogs que armazenam artigos sobre educação, realizando busca pela palavra gênero. Foram encontrados 385 resultados, porém a maior parte deles não era relevante a nossa pesquisa, por causa da diversidade semântica causada pela palavra pesquisada. Como fonte de análise, então, considerou-se 28 artigos coletados dos referidos blogs e publicados no segundo semestre de 2015, período em que matérias sobre o assunto foram bastante publicadas.
Para o desdobramento do tema, esse artigo se dividirá em três seções. Em primeiro lugar, será exposto como o professor surge nas representações políticas. Em segundo, será abordada a maneira como as instituições religiosas tratam deste assunto na mídia. Por fim, como os movimentos políticos e sociais aparecem nos arquivos selecionados.

A “ideologia de gênero” na educação brasileira à luz da política.

À luz dos dados do texto Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas, Nóvoa (1999) observou a implementação de novas políticas públicas, por meio da adoção de cartilhas organizadas por órgãos (nacionais ou não).
Em meados de setembro de 2015, no cenário da educação nacional, foi criado o Comitê de Gênero, cujo objetivo central era propor diretrizes e dar subsídios para políticas educacionais. Neste período em que diversos Estados deveriam finalizar seus planos de educação, o comitê em questão surgiu visando facilitar a participação de travestis e transexuais tanto nos processos seletivos como em seu cotidiano escolar e acadêmico, garantindo, portanto, o diálogo, a formulação, a implementação, o monitoramento e a avaliação de políticas públicas para a construção e a promoção da equidade de gênero.   
        Entretanto, a partir da análise de textos publicados na mídia sobre a “ideologia de gênero”, nota-se que o papel do professor no processo de aprendizagem não é bastante ressaltado, dando a entender que o professor atua como mero porta-voz dos interesses públicos, não possuindo autonomia para aceitar ou negar propostas impostas por esses órgãos.
Essa falta de autonomia se reflete em diversos projetos de lei que tramitavam no Congresso Nacional no segundo semestre de 2015, causando divergentes opiniões sobre a discussão da “ideologia de gênero” em sala de aula. Os favoráveis alegavam que o debate pode coibir formas de discriminação e a violência contra mulheres e/ou homossexuais. Por outro lado, quem era contra afirmava que o tema seria inadequado ao ambiente escolar. Desse modo, tais projetos interferiam “diretamente nos conteúdos abordados nas salas de aula, evitando a ‘doutrinação política e ideológica’” (Centro de Referência em Educação Integral- 10 de novembro de 2015). Havia projetos de leis que condenava a discussão de “ideologia de gênero” nas aulas- considerando um processo de doutrinação ideológica dentro das escolas de ensino básico-, chegando ao ponto de prever prisão aos docentes que não os cumprirem.
A interferência política na educação limita uma das características essenciais da docência: a liberdade de cátedra. Se por um lado, agentes externos tentam retirar a autonomia e o protagonismo do docente- delimitando os conteúdos e os temas tratados em sala de aula-, por outro lado, pode se observar que os professores são capazes de promover atividades para conscientizar os alunos quanto à necessidade de respeito a qualquer gênero e orientação sexual e a promoção de igualdade entre todos. Os docentes procuram suprir a necessidade de discussão sobre questões de gênero, visto que o tema não está incluso no Plano Nacional da Educação, que traça as diretrizes para o ensino no país.
A mídia defende a necessidade de professores preparados para lidar com essas questões, a fim de evitar evasão e segregação de minorias no ambiente escolar, reafirmando a importância do professor como formador de opinião e agente na elaboração das aulas e dos conteúdos a serem apresentados nas mesmas ou mesmo em projetos extracurriculares. Um dos casos retratados é o de uma professora que implantou atividades sobre gênero e diversidade na escola após fazer um curso de extensão sobre essa temática e ganhou o apoio da escola e dos responsáveis pelas crianças, o que demonstra a importância da capacitação do professor.
No que diz respeito à inclusão da discussão da “ideologia de gênero” na educação brasileira, as matérias encontradas perpassam por questões referentes à necessidade da abordagem das questões de gênero nas instituições de ensino, assim como defendem a importância de preparar os docentes a tratar tais assuntos. Também há referências à ausência de leis que incentivem o debate dos temas e demonstrações de como os profissionais da educação tem feito sua parte para incluir a pauta no ambiente escolar.
Em contrapartida, houve uma pesquisa feita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), cujo resultado aponta que quase 60% das faculdades incluem os temas sexualidade e gênero na formação de docentes no país. Outro dado presente na reportagem é que as principais barreiras para o tratamento do assunto são as questões religiosas, a crença de que a legislação não permite a abordagem dos temas, falta de preparo dos docentes e a falta de incentivo por parte de políticas públicas. Dentre esses motivos, acredita-se que o fator que mais inibe o debate sobre a “ideologia de gênero” em sala de aula se refere às questões religiosas.
       
A “ideologia de gênero” à luz da religião.

É inegável que o Brasil é um país onde a religião está muito presente. A grande maioria de seus habitantes segue o catolicismo e o protestantismo, logo, não é de se surpreender que, na prática, a Igreja exerça uma grande influência no governo e, consequentemente, na vida de todos os brasileiros, os principais afetados pelo o que quer que as instâncias governamentais decidam em Brasília.           
Na Constituição Federal de 1988- responsável por elencar os princípios e direitos do governo e de todos os cidadãos brasileiros- tem no artigo 19, capítulo I, o decreto que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios manter relações de dependência e aliança com cultos religiosos ou igrejas.
Tal decreto corrobora a laicidade do Estado e proíbe quaisquer relações de dependência com instituições religiosas e seus representantes. A constituição é, então, o principal documento sobre o qual o governo deve se fundamentar.  
No Brasil há bancadas religiosas amparadas por instituições como a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), que exercem grande influência na aprovação ou não de propostas governamentais. As chamadas “bancadas evangélicas” também têm grande força no governo, com a presença de bispos e nomes conhecidos da política brasileira- eleitos democraticamente, por seus respectivos estados de origem. Tais grupos baseiam suas opiniões nas diretrizes da Igreja e no que é preconizado pela mesma, portanto, é evidente que temas polêmicos como o aborto, a homossexualidade e a questão de gênero encontrem grande resistência perante os mesmos. Dificilmente uma proposta que vise contrariar tais diretrizes é aprovada.  
A Constituição Federal de 1988, Capítulo III (Seção I, Da Educação) estabelece que “à União cabe organizar o sistema federal de ensino, [...], para garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino [...]”. Entretanto, muito se tem discutido sobre a capacidade da educação como agente transformadora da realidade social e, assim, amenizadora das grandes desigualdades brasileiras. A escola, nesse sentido, deveria promover a igualdade, principalmente no que diz respeito à “ideologia de gênero”.
     Nas instituições de ensino o debate é limitado, sendo a questão sobre gênero pouco abordada nos PCNs. Em junho de 2014, foi decretado pelo governo federal o prazo de um ano para que cada município definisse como abordar a questão de gênero em seus planos de educação. O prazo encerrou-se no ano passado e a polêmica continua. As bancadas religiosas temem que a escola interfira na “opção sexual” dos alunos. Muito se fala sobre a proposta de banheiros unissex e a conotação sexual por trás do termo gênero, como se o mesmo implicasse somente na questão da sexualidade.
  O debate maior que deveria ser feito, como a forma como o tema deveria ser abordado em toda sua plenitude, nas salas de aula do ensino fundamental e médio, trazendo questões como os papéis que homens e mulheres assumem na sociedade e toda sua complexidade, ficam de lado.                  

A “ideologia de gênero” à luz de movimentos sociais

        No momento em que grande parte dos países da América Latina vivia abafados por ditaduras, por volta das décadas de 60 e 70, aquilo a que se chamava “doutrinação marxista”, ou seja, tudo que tivesse algum tipo de embasamento político de esquerda, era motivo de perseguição a alunos e professores de universidades e escolas no Brasil. Com avanço das direitas e de políticas neoliberais, a “doutrinação marxista” voltou a ter caráter ameaçador e deve ser, sob este ponto de vista, reprimida, assim como movimentos sociais que não corroborem ou que se distanciem dos sistemas classistas e sociais impostos pelo capitalismo.
        Neste viés, surgem movimentos e partidos políticos pautados em um fundamentalismo com base em pareceres religiosos e/ou passionais que não caberiam, em tese, em discussões relacionadas à democracia e aos direitos dos cidadãos de um país legalmente laico. Representantes destes movimentos alcançam cada vez mais assentimento, por darem voz legislativa às camadas da população que reforçam preconceitos classistas, raciais, de gênero e sexuais, por não terem tido acesso a reflexões que levassem ao respeito e à ideia de igualdade social.
        Um dos movimentos conservadores que mais ganhou força no Brasil recentemente intitula-se “Escola sem partido”, que se caracteriza por tentar barrar uma corrente dita de “instrumentalização do ensino para fins políticos, ideológicos e partidários” e que prevê processos judiciais a todo professor que dê lugar a, por exemplo, discussões sobre sexualidade e gênero. O argumento principal é de que tal ideologia pretende destruir famílias e valores morais, diminuir autoridade dos pais e anular o referencial das crianças em relação à sua sexualidade,
        O movimento “Escola sem partido” entende a abordagem da “ideologia de gênero” nas escolas como um “incentivo” a relações homoafetivas e “coloca em risco as diferenças sexuais que possuem função estruturante no desenvolvimento psíquico da criança”, no sentido de quebrar com as regras sociais que atribuem a cada sexo biológico um papel social que “reafirma e consolida a identidade sexual”. Para o movimento, a discussão da identidade de gênero causa uma “confusão mental” na criança, passando por um “desvio dos desejos heterossexuais, de uma estética corporal ou até mesmo de uma revolução dos costumes“.
        Estes ideais conservadores encontram forte oposição em movimentos sociais como o LGBT e o feminismo (na maioria de suas correntes) e ainda em partidos políticos de cunho socialista. A defesa da adoção da “ideologia de gênero” nas escolas encontra apoio, então, por ser considerado passo fundamental para a diminuição de preconceitos e respeito à diversidade, para uma plena vigência de valores democráticos.
        A professora Viviane Melo de Mendonça, do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) da UFSCar fez um estudo que aborda problemáticas relacionadas a “ideologia de gênero” e educação. Para a pesquisadora, a abordagem do tema da “ideologia de gênero” nas escolas ajuda na caminhada “para uma educação que combata a discriminação e preconceitos, as violências de gênero, violência contra mulher e a violência homo, lesbo e transfóbica”. O estudo mostrou que 32% dos homossexuais entrevistados afirmaram sofrer preconceito dentro das salas de aula e que os educadores ainda não sabem reagir apropriadamente diante das agressões, que podem ser físicas ou verbais, no ambiente escolar.
        Mendonça diz, ainda, que a escola tem papel de possibilitar e promover a reflexão e o acolhimento aos alunos em suas individualidades e liberdade de expressão. É o momento em que se caminha para o fim de preconceitos. Segundo ela, o “objetivo é criarmos condições dentro das escolas para que professores e alunos possam aprender e ensinar o convívio com as diferenças que naturalmente existem entre todos”.
        O debate deve partir, então, da importância do preparo dos licenciandos e professores para uma formação continuada em assuntos de gênero que possibilite o encaminhamento de reflexões, não só junto aos alunos, mas com toda a comunidade escolar, de forma a alcançar o respeito a toda individualidade e vivência plena da diversidade em todos os ambientes de convívio, afim de os valores democráticos serem plenamente exercidos igualmente para todo cidadão. O apoio à “ideologia de gênero” nas escolas se mostra muito resistente a movimentos fundamentalistas e conservadores, que se colocam avidamente contrário a esta abordagem, numa tentativa de negar a existência natural de uma diversidade sobre a qual não cabe controle externo, como a identidade de gênero e a orientação sexual.
        A negação da existência dessas individualidades ocasiona um apagamento dos sujeitos e perpetuação de seus papéis como objetos de uma sociedade patriarcal machista, homofóbica e essencialmente branca, que se coloca no topo da pirâmide social, de forma irresponsável e, por que não, cruel, já que este sistema de dominação e opressão criado por este topo naturaliza e propaga preconceitos que chegam a ser fatais.

Considerações finais

Consoante à análise das reportagens que tratam da “ideologia de gênero” na educação brasileira no segundo semestre de 2015, os resultados sugerem que o professor não possui autonomia para decidir os temas a serem abordados em sala de aula. Assim, agentes/instituições externas empenham-se em restringir a liberdade de cátedra do docente, buscando sempre anular sua voz e seu direito de se expressar em sala de aula. O professor é visto, nessa perspectiva, como o agente transformador de opiniões e destruidor dos valores sociais. Muito embora, na realidade, o papel do professor seja o inverso: o docente é capaz de promover o diálogo e demonstrar que pode existir igualdade e respeito na escola. A principal consequência seria uma sociedade mais justa e com cidadãos mais conscientes sobre as diferenças de gêneros.

Referências

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1 – Estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro
2 Estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro
3Estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro
4Estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro
5Estudante da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro




Data de conclusão – 14 de julho de 2016