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Politicas educacionais na imprensa

3 de abr. de 2013

Educação, trabalho e as contradições da realidade brasileira*


 
Marcio A. Lauria de M. Monteiro[1]
Stephanie Christina Heyer Bustamante[2]

No presente trabalho buscaremosrealizar uma breve discussãoda realidade brasileira atual a partir do eixo “Educação e Trabalho”. Para tal, utilizaremos algumas reportagens recentes sobre educação como uma forma de compararmos dados atuais com pressupostos legais presentes nasLeis de Diretrizes e Bases da educação Brasileira (LDB – BRASIL, 1996). Nossa discussão terá por base os estudos de Azevedo (2011), Höfling (2001) e Martins (2009).
A partir do Artigo II da LDB, podemos verificar dois eixos através dos quais o tema “Educação e Trabalho” é abordado na lei em questão: (1) educação como exercício de cidadania e (2) educação como qualificação para o mercado de trabalho.  A lei 9.394 procura garantir os fundamentos e bases para que esses dois eixos sejam complementares. Contudo, o que verificamos no decorrer das análises é a dicotomia entre educação acadêmica voltada para a classe média e alta, através de cursos de nível superior e bacharelado, contrapondo-se a orientação ou estímulo da educação técnicae/ou tecnológica para setores sociais mais baixos.
Dessa forma, a formação técnica ganha destaque como opção de educação paralela ao ensino médio, onde o projeto de qualificação de mão-de-obra é privilegiado em detrimento da efetiva inclusão de determinados setores sociais no nível superior de educação.  Em muitos sentidos, isso é mais um aspecto reprodutor da dualidade social que certos estudos indicam existir no sistema de ensino brasileiro, dividido em setores para a população trabalhadora e de renda inferior e de setores para as classes médias e altas (AZEVEDO, 2011).
O “boom” do crescimento da oferta dos cursos técnicos promovidos pelo Estado através dos Centros Federais de Educação Tecnológica(CEFET), Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET), assim como por suas versões locais (i.g., Fundação Apoio Escola Tecnológica Rio de Janeiro – FAETEC) ou mesmopor entidades privadas como as pertencentes ao “Sistema S”, legitima o modelo de educação que visa atender diretamente as necessidades de determinadas empresas privadas no mercado de trabalho. Dessa forma, os cursos técnicos e tecnólogos aparecem como opções de rápida inserção no mercado, se configurando cada vez mais como meros espaços de formação de mão de obra.
É o que podemos depreender, por exemplo, do seguinte trecho de uma notícia de 2012:
Alguns cursos qualificam o jovem ou adulto a entrar direto no mercado de trabalho, com conhecimento teórico e prático nas diversas atividades do setor produtivo. Há opções que duramapenas dois meses. (Jornal Hoje – G1 Globo.com, nossa ênfase)

Seguindo a tendência de ampliar as possibilidades e ofertas educacionais, porém sem que isso implique uma melhoria qualitativa do ensino ofertado, o Brasil também tem presenciado a expansão de cursos superiores na modalidadede Ensino à Distância (EAD), conforme relatado por Oscar Hipólito no jornal O Estado de São Paulo (2012).
Inserido no contexto neoliberal, no qual o Estado não é o único responsável pela oferta educacional, diversas empresas privadas ampliaram a oferta de cursos à distância voltados para setores sociais que não conseguem inserção no nível educacional público ou que já possuem emprego e não dispõe de oportunidades ou tempo para frequentarem uma modalidade de ensino presencial.
Novamente, a ampliação dessas ofertas é vista como forma de direcionar uma mão-de-obra (pré)existente para qualificação de modo a atender a demanda do mercado capitalista. O tema da educação à distância como uma nova realidade presente em diversos países, transmite a responsabilidade da inserção social através da educação para empresas privadas que detêm majoritariamente a maior oferta desses cursos.
Nota-se, assim, uma competição pelo monopólio da educação, uma vez que ambas as esferas, pública e privada, não detém a exclusividade na prestação do serviço.
Dessa forma, podemos entender que a livre escolha que o indivíduo exerce entre as opções educacionais existentes é, na verdade, condicionada ao lugar social que esse indivíduo ocupa na estrutura social (HÖFLING, 2001, p. 38), sendo o resultado alcançado vendido como produto da ideologia meritocrática.

Outro eixo de ação que visa a não-modificação da estrutura educacional são as inúmeras realizações de ações afirmativas,  tanto para concursos de nível médio/superior como em concursos em empresas de prestação de serviços públicos.Estas ao nosso ver, são medidas paliativas e que não chegam sequer perto da oferta de vagas necessária para que haja a propagandeada reparação histórica a qual elas se destinariam, em termos de diminuição das desigualdades sociais.
Uma reportagem de 2011 da Revista Veja relata o avanço da política de cotas para outras esferas além da educacional (“[...]as cotas não estarão mais restritas às universidades e incluirão ações no mercado de trabalho”).

A partir dessa rápida exposição, podemos ver como que a grande desigualdade social existente hoje no Brasil se reflete na relação entre Educação e Trabalho.Ao mesmo tempo em que se produz e reproduz uma dualidade dentro do sistema educacional, marcada por uma divisão social classista entre as diferentes modalidades educacionais, também se fortalece cada vez mais a lógica de uma educação rápida destinada à formação de mão de obra (semi)qualificada.
Essa tendência ao fortalecimento de uma educação ditada pelas necessidades do mercado e sua reprodução até mesmo dentro do sistema público de ensino, é um indício da inserção cada vez maior dos interesses do empresariado nas forças que ditam os rumos da educação brasileira. Por outras vias, Martins (2009) já havia demonstrado essa tendência.
Consequentemente, podemos ver como que, na atual realidade brasileira, a relação educação-trabalho é fortemente marcada pelos interesses de mercado e como que ela reflete a estratificação social do país e a reprodução dessa estratificação a partir da educação. Mais especificamente, práticas políticas e econômicas que visam a colocação direta do indivíduo no mercado de trabalho, estimulando o seu lugar de produtor e consumidor, mas não o de cidadão crítico. Logo, concluímos que a articulação proclamada na lei entre a educação “como exercício de cidadania” e como “qualificação para o mercado de trabalho” ainda está muito longe de passar da retórica para a realidade.

Bibliografia
AZEVEDO, Janete Maria Lins de. O Estado, a política educacional e a regulação do setor da educação no Brasil: uma abordagem histórica. IN: Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. FERREIRA, NauraSyriaCarapeto e AGUIAR, Marcia Angela da S. (orgs.). São Paulo: Cortez, 2011.
BRASIL. Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm. Acessado em 3 de março de 2013.
HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e Políticas (Públicas) Sociais. IN: Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, novembro/2001.
MARTINS, André Silva. A educação básica no século XXI: o projeto do organismo “Todos pela educação”. IN: Práxis Educativa, Ponta Grossa, v. 4, n. 1, p. 21-28, jan.-jun. de 2009. Disponível em http://www.researchgate.net/publication/26848434_A_educao_bsica_no_sculo_XXI_o_projeto_do_organismo. Acessado em 3 de março de 2013.

Fontes
HIPÓLITO, Oscar. O Estado de São Paulo. Educação a distância: uma nova realidade.31/05/2012 - São Paulo, SP. Disponível em http://politicaseducacionaisnaimprensa.blogspot.com.br/2012/05/educacao-distancia-uma-nova-realidade.html. Acessado em 3 de março de 2013.
Jornal Hoje – G1 Globo.com. Formação técnica ganha destaque entre os profissionais brasileiros.04/06/2012 - Rio de Janeiro, RJ. Disponível em politicaseducacionaisnaimprensa.blogspot.com/2012/06/formacao-tecnica-ganha-destaque-entre.html?spref=tw. Acessado em 3 de março de 2013.
Revista Veja. Cotas raciais podem chegar ao mercado de trabalho. Da Redação – 29/05/2012 – São Paulo, SP. Disponível em http://politicaseducacionaisnaimprensa.blogspot.com.br/2012/05/cotas-raciais-podem-chegar-ao-mercado.html. Acessado em 3 de março de 2013.


*Trabalho final da disciplina Educação Brasileira, prof. Armando Arosa, Período 2012/2, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[1] Graduando do 8º período do Bacharelado e Licenciatura Plena em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DRE 109060430).
[2] Graduanda do 9º período do Bacharelado e Licenciatura Plena em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DRE 108055270).