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Politicas educacionais na imprensa

14 de jul. de 2016

A RELAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO CONTINUADA E O DESEMPENHO ESCOLAR NO DISCURSO MIDIÁTICO

A RELAÇÃO ENTRE FORMAÇÃO CONTINUADA E O DESEMPENHO ESCOLAR NO DISCURSO MIDIÁTICO


Camille de Brito Butter (UFRJ)1
Dayanne de Oliveira Silva (UFRJ)2
Jéssica Araújo Moraes da Rocha (UFRJ)3
Luiz Felipe da Silva Durval (UFRJ)4



O presente trabalho é resultado de atividades de pesquisa propostas na disciplina Profissão Docente ministrada pelo professor Armando Arosa na Faculdade de Letras da UFRJ no primeiro semestre do ano 2016. Com ele, objetiva-se, em primeiro lugar, apresentar como e com quais finalidades o tema da formação continuada dos docentes no Brasil é, de maneira geral, abordado na mídia e, em segundo lugar, observar a análise de estudiosos da área de educação sobre o discurso midiático e das ideologias que circulam nesse meio acerca da profissão docente e da formação continuada.

Numa pesquisa feita no acervo do blog “Políticas Educacionais na Imprensa” (http://politicaseducacionaisnaimprensa.blogspot.com.br/), chega-se a 13 resultados. De uma maneira geral, o tema aparece, nos textos encontrados, como uma solução para o mau desempenho dos alunos, o que reflete a comum culpabilização do professor pelo fracasso escolar. Essa questão norteará o presente trabalho. Feita a mesma busca nos sites de O Globo (http://oglobo.globo.com/) e do Jornal do Brasil (http://www.jb.com.br/) – veículos cujos públicos alvos são as classes A e B - foi encontrado um grande número de matérias, dentre as quais, muitas não tratavam do tema com especificidade. Foram selecionadas nove - sendo quatro do O Globo e cinco do Jornal do Brasil - entre os anos 2010 e 2016, com o intuito de obter-se uma visão ampla, porém, suficientemente aprofundada.
As reportagens do Jornal do Brasil vão no mesmo sentido das encontradas no blog Políticas Educacionais na Imprensa. A formação continuada é tratada como capacitadora e qualificadora dos professores e encarada como a grande ampliadora da qualidade da educação. Até mesmo quando se reporta o problema da atuação de professores em áreas nas quais não é formado, a formação continuada é apresentada como a solução. Pode-se perceber, dessa forma, que o discurso midiático pretende levar o leitor a constatar que o problema da educação brasileira é a (má) formação do professor. As reportagens do O Globo, apesar de apontarem como fator causador do mau desempenho escolar do aluno a não formação continuada dos professores, também citam os problemas de infraestrutura, a preocupação das escolas com rankings produzidos a partir de avaliações de larga escala, a alta taxa de abandono e a situação socioeconômica dos alunos.

Apesar de em nenhuma das matérias ser dada uma definição clara para o termo, é possível perceber que chamam de formação continuada qualquer estudo ou atividade feita pelo professor, relacionada à sua profissão, após a graduação. Em uma das matérias do O Globo(1), cita-se acesso a material didático, horário de trabalho pedagógico coletivo, semana pedagógica, encontro com supervisores, cursos a distância, cursos presenciais, estágio probatório, palestras, visitas técnicas, observação da própria aula, pós-graduação e observação das aulas de outros professores.


INTRODUZINDO A DISCUSSÃO


Inicialmente, as propostas para a educação continuada, no âmbito das políticas educacionais, eram de manter os profissionais de educação atualizados e de ampliar as competências do professor, para que fosse capaz de lidar com as inovações e demandas do mercado. Criaram, assim, “o discurso da atualização” e da “necessidade de renovação”, como bem explica Gatti (2008). Teríamos, então, uma metodologia de resposta para a constante mudança das demandas do mercado de trabalho; necessária para o profissional se manter atualizado quanto aos avanços científicos. No Brasil, segundo a autora, os cursos de formação continuada tomaram outros rumos e assumiram um papel compensatório ao tentar preencher as lacunas da formação básica do professor, perdendo seu caráter de aprofundamento ou avanço do conhecimento. O objetivo passou a ser o de suprir a formação inicial precária dos docentes.


EXCESSO DOS DISCURSOS


Antonio Nóvoa, em “Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas”, analisa a situação de professores sob a dicotomia excesso-pobreza e levanta algumas questões que se relacionam com os discursos que compõem as matérias analisadas na pesquisa. O autor destaca, logo de início, a falta de a atenção dos políticos e a opinião pública voltarem-se aos professores quando não se encontram respostas para problemas de outras ordens: trata-se de uma redefinição de problemas políticos para problemas pedagógicos. Isso pode ser observado, por exemplo, quando o termo “valorização” aparece no sentido de remuneração, totalmente inverso do que o autor atribui, mais próximo ao respeito e o aproveitamento para reflexões e partilha de saberes.


A ideia de se colocar sob gestão privada a oferta de formação dos centros de professores não parece ser comum apenas na Europa, conforme destaca Nóvoa: como investimento fundamental, é citada “a aproximação entre universidades e empresas”, pois “Fundamental mesmo é se olhar o assunto como prioridade nacional e como uma saída segura para a atual crise e para o futuro do Brasil”1. Percebe-se, claramente e na voz de professores universitários, a educação posta a serviço da economia.


A partir dessa perspectiva, passa-se a enxergar a educação como um componente de mercado ou, como o próprio autor destaca, consolidar um “mercado de formação” em que se perdem as reflexões e o compartilhamento de saberes advindos da própria experiência docente. Resta uma lacuna que poderia ser preenchida por coletivos de professores no sentido de colegialidade docente, a visar princípios educativos ou propostas de ação, por exemplo. Deslegitima-se, assim, a autonomia do professor, profissional também capaz de ser ativo na produção de saberes – e não somente, como se parece, os especialistas em educação, vistos como autoridades e principais referências, além dos políticos, para discussões a respeito da docência e os problemas que a cercam. A título de exemplificação: a notícia “Baixa formação continuada desmotiva professores no Brasil, afirma estudo”, extraída do jornal O Globo, descreve uma pesquisa que aponta a baixa eficácia e aplicabilidade da formação continuada. Foram ouvidos 2.732 educadores, dentre os quais apenas 26% eram os próprios professores.
Resta ao professor o papel de ouvir o que se diz a respeito dele e aceitar de forma passiva as possíveis estratégias de melhoria de quem não vivencia o seu cotidiano. Nóvoa destaca, ainda, que há “uma recorrente ‘responsabilização’ dos professores pelas ‘resistências’ que opõem à razão científica tal como lhes é servida pelos investigadores” (Nóvoa, p. 6). Mais de 70% dos profissionais consultados na pesquisa supracitada já alegam enxergar baixo impacto na melhoria do ensino a partir das atividades oferecidas.
A formação continuada, nas matérias dos jornais O Globo e Jornal do Brasil, aparecem como uma capacitação – o que faz pressupor uma incapacidade – a suprir um uma formação deficiente a respeito do que é óbvio e de fácil resolução. A notícia “Alfabetizadores da rede pública terão formação para melhoras do 1º ao 3º ano”2, do Jornal do Brasil, após uma breve descrição do material utilizado, de títulos indagadores seguidos de respostas prontas, cita a fala da coordenadora-geral do programa sobre o sentimento dos professores frente ao que lhes era apresentado. Além disso, a medida aparece, em outras notícias, como solução para os problemas com que lidam os professores que ministram disciplinas que fogem da sua área de formação. Nesses, casos o termo “atualização” parece se referir ao que se entende como uma formação mínima.
O autor põe em relevo a necessidade de os profissionais redescobrirem uma identidade coletiva, pois, diante dos discursos que se constroem a seu respeito, os professores passam a se apropriar deles e assumir grandes responsabilidades que a princípio não lhe tocam unicamente e que ainda podem se voltar contra eles. É o caso da fala da professora de História Natália Souza, também expressa na matéria “Baixa formação continuada desmotiva professores no Brasil, afirma estudo”: “[...] nos sentimos mais seguros ao lecionar depois de um curso de reciclagem” (grifo nosso).


SENTIDOS DA FORMAÇÃO CONTINUADA


Em “Formação Continuada: análise de termos”, Dinéia Hypolitto assinala que as palavras utilizadas para qualificar a formação continuada de profissionais da educação são importantes para entendermos essa temática tão ambígua dentro da área educacional.
A autora diz que como foram muitas as terminologias utilizadas na formação continuada, faz-se necessário clarificar a sua carga semântica genérica, dessa forma, pode-se entender o que cada termo significou em cada época em que foi empregado. O termo reciclagem, de grande uso na década de 80 e era comumente associado à atualização, mas vem tendo o uso diminuído a cada ano e é mais bem empregado referindo-se a coisas do que a pessoas. Este último, bastante encontrado, traz um significado que remete a algo desatualizado, antigo, como se o educador sempre estivesse em processo de desatualização. Segundo Hypolitto, o termo é inadequado, visto que os cursos de atualização se referem a métodos ou técnicas, mas não contribuem para a atualização do professor.
O termo “capacitação” do professor remete à ação de capacitar, que ao promover o treinamento ao educador, estará tornando-o capaz de praticar, capaz de executar. De acordo com Hypolitto: “A mudança na prática do professor envolve alterações na sua visão de mundo e em seus valores.”, por isso, mudando a prática e alterando o nível de consciência do professor, mudará um conjunto de valores importantes para sua prática educacional.
O conceito de formação continuada ainda está em construção, segundo COLLARES & MOYSÈS, é relativamente novo e ainda está em plena discussão e debate e por si só já representa um desafio.


ATITUDE DE CONCLUSÃO


A formação docente inicial se reflete nas práticas do profissional em sala de aula. É o professor o responsável por intermediar todo o processo cognitivo, social, afetivo e de conhecimento presentes na sala de aula. No entanto, a infraestrutura e a situação socioeconômica dos alunos são alguns, dentre tantos outros fatores importantes a se considerar para discutir o desempenho escolar. As mídias consultadas para elaboração deste trabalho parecem reconhecê-los; por outro lado, compõem seu discurso segundo a ótica de profissionais que atuam fora da realidade da sala de aula.
É necessário, de acordo com os autores considerados, além de refletir sobre os termos utilizados para caracterizar a formação continuada (visto que refletem concepções depreciativas da profissão docente), valorizar o que pensam os professores sobre as problemáticas – dentre os quais se encontra o debate sobre a formação continuada – que cercam o contexto educacional.

NOTAS:
htpp://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/baixa-formacao-continuada-desmotiva-professores-no-brasil-afirma-estudo-13167175 (Acesso em 22 de junho de 2016).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GATTI. Bernadete A. Análise das políticas públicas para formação continuada no Brasil, na última década. Revista Brasileira de Educação v. 13 n. 37 jan./abr. 2008. p. 57-70
HYPOLITTO, Dinéia. Formação Continuada: análise de termos. Revista Integração, São Paulo. Ano VI, n°21. 101-103, Maio/2000.
NOVOA, A. Os Professores na Virada do Milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, vol. 25, n. 1, Jan./Jun, 1999.  



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