Acesse o Blog POLÍTICAS EDUCACIONAIS NA IMPRENSA BRASILEIRA

Politicas educacionais na imprensa

14 de jul. de 2016

O PROFESSOR NA MÍDIA: UM RETRATO TORTO

O PROFESSOR NA MÍDIA: UM RETRATO TORTO


Fernanda Aimée de Sá Picauron (1)
Gabriela Telhado Braun (2)
Júlia Lourenço de Jesus (3)
Nathália Baptista Telles Santos (4)






Introdução
O presente trabalho é resultado de uma pesquisa realizada como parte das atividades da disciplina Profissão Docente, no ano de 2016, ministrada pelo professor Armando Arosa, na interface com projeto de extensão Políticas Educacionais na Imprensa. Esta pesquisa tem por objetivo compreender as diversas representações que a imprensa faz em relação à profissão docente, tendo como objeto as matérias jornalísticas especificas sobre greve de professores.
A fim de alcançar tal objetivo, procuramos em matérias jornalísticas quais são os elementos que constituem as representações da mídia acerca da paralisação docente, durante o ano de 2012. Deste modo, buscamos entender como a imprensa vê o professor em relação ao movimento grevista.
A metodologia deste trabalho consiste em uma pesquisa documental do acervo dos blogs Políticas Educacionais na Imprensa e Todos pela Educação, filtrando matérias jornalísticas que abarcavam o tema “greve dos professores” no ano de 2012, tendo em vista que, neste ano, o movimento reivindicatório ocorreu em vários estados do Brasil com grande intensidade.
Em nossa pesquisa, escolhemos quatro veículos de mídia com abrangência nacional, sendo eles: (i) UOL Educação, que é apenas digital; (ii) O Globo, com versão digital e impressa; (iii) G1, que é uma versão digital ligada ao O Globo; e (iv) Revista Veja, com versão digital e impressa.
A partir de 56 reportagens, o tema sobre a paralisação foi caracterizado de diversas formas, por exemplo, a partir da divergência entre mídia e sindicato, da desvalorização da greve ao dizer que os professores recebem altos salários e também da exposição das lutas internas. Porém, somente 20 delas, 3 do Uol Educação, 3 da revista Veja, 12 do G1 e 2 do O Globo, tratavam sobre a criminalização do movimento grevista e do prejuízo causado aos alunos, que são os temas específicos desta pesquisa.

Notas teóricas

Nóvoa (1999) propõe que há uma discordância na relação discurso e prática no que diz respeito ao trabalho docente. Segundo o autor, não há uma oposição extremamente marcada nessa dicotomia, logo, demonstra que há uma relação intrínseca entre discursos que dignificam os professores e práticas que não seguem esse mesmo caminho. Deste modo, Nóvoa argumenta sobre a lógica excesso-pobreza através de quatro situações, porém, nesta pesquisa, focamos na situação (iv) a qual trata do excesso das “vozes” dos professores à pobreza das práticas associativas docentes, já que existe uma relação com a greve docente.
Ao tratar sobre essa situação específica, o autor afirma que "sem um reforço das dimensões colectivas e colegiais no seio do professorado, não vale a pena levantar a voz (as “vozes”), pois não é por falarmos mais alto que temos mais razão ou que defendemos melhor os nossos interesses" (p.8).

E essa situação foi encontrada na reportagem seguinte:

A 6ª Marcha pela Educação reúne entre 8 mil e 10 mil pessoas na capital federal, de acordo com estimativas da organização do ato e da Polícia Militar. Com o lema “Independência, Educação de Qualidade e Trabalho Decente”, os professores reivindicam a aprovação do Plano Nacional de Educação com destino de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a área (...) (O Globo, 05/09/12)



Portanto, a partir dessa análise, percebe-se que há na reportagem um excesso das “vozes” dos docentes que até criaram um lema para mover a luta em prol da categoria, porém “não é por falarmos mais alto que temos mais razão ou que defendemos melhor os nossos interesses" (NÓVOA, 1999, p.8).






Análise das matérias
No Uol Educação, as reportagens demonstraram um discurso mais voltado para a valorização dos professores e para a explicação, através de relatos de professores e de sindicatos, de que a greve não pode ser considerada um ato ilegal. Ou seja, este veículo não está preocupado em projetar discursos que intitulam o movimento como um crime, como é exemplificado a seguir, em uma entrevista com uma sindicalista em relação ao corte dos pontos de professores em greve.

Ela argumenta que a greve não pode ser considerada ilegal com base apenas em uma liminar. “O que o governo conseguiu foi uma liminar e nós já recorremos. É preciso aguardar o julgamento do mérito pelo Pleno do Tribunal de Justiça, que deve acontecer na próxima semana”, disse Betros. A sindicalista considera a decisão do governo “precipitada e arbitrária”. (UOL Educação, 19/04/12)

Já em relação ao outro tópico deste trabalho, o veículo em questão somente expôs algo sobre a paralisação como prejudicial ao aluno em uma reportagem, relatando brevemente que o ano letivo deve ser de 200 dias de aula e que provavelmente as aulas se estenderiam até janeiro. Sobre essa situação, em uma reportagem há uma declaração do Secretário de Educação de Natal:

O secretário de Educação de Natal não esconde o temor de ver os alunos perdendo o ano letivo. “Conhecendo hoje a situação financeira da prefeitura, claro que temo. Precisamos de atitudes firmes, pois a situação é grave. Mas espero que não aconteça isso. Estou mais esperançoso do que temeroso. Quando há boa vontade, as coisas podem se resolver, e perceba essa boa vontade de todos os lados”, disse José Walter Fonseca. (UOL Educação, 29/11/12)


No veículo de informação “O Globo”, o prejuízo causado aos alunos aparece apenas de uma forma: o aluno é prejudicado quando a paralisação não é total, isto é, alguns professores não aderiram ao movimento grevista e decidiram manter suas aulas, como aparece na seguinte reportagem sobre a greve dos professores do Colégio Pedro II:
A principal reivindicação é a suspensão do calendário acadêmico. Eles [os estudantes] alegam que, apesar da paralisação dos docentes, há professores dando aulas e aplicando provas, o que pode prejudicar os alunos. ”(...) Sendo assim, “professores podem se negar a repôr as aulas e as avaliações serem aplicadas para poucos estudantes” (O GLOBO, 01/08/2012)


Dessa forma, apenas a adesão parcial de professores é apresentada nas reportagens e tratada como prejudicial. A respeito do tema criminalização do movimento grevista, não foram encontradas evidências sobre a difusão desse discurso neste jornal.
Ao analisarmos as reportagens da revista VEJA, encontramos o movimento grevista sendo criminalizado através da coluna de Gustavo Ioschpe. Ao falar sobre as mudanças que o sistema educacional brasileiro deve enfrentar para melhorar, Loschpe menciona a greve brevemente:

Ainda há grandes professores e pesquisadores, mas as universidades federais exigem que toda a rede seja tratada de forma homogênea, gerando dupla injustiça: não valoriza os que merecem e sobrevaloriza os que nada ou pouco produzem. Esses últimos ainda fazem greves, como a de agora. (VEJA, 26/08/2012)

O economista com mestrado em Economia Internacional e Desenvolvimento Econômico, pela Universidade Yale, nos Estados Unidos da América, trata, neste trecho, a greve como algo ilegal e mal-visto, feito por professores que “nada ou pouco produzem”.
Ainda na VEJA, quando o assunto é o prejuízo que a greve causa aos alunos, diversas ocorrências foram encontradas. Na primeira delas, o verbo “prejudicar”, em si, foi utilizado a seguir:
A paralisação, que teve início no dia 11 de abril, é considerada a mais longa da história da educação baiana e prejudicou cerca de 1,1 milhão de alunos. ” (VEJA, 03/08/2012).


Dessa forma, podemos perceber que a paralisação completa e duradoura dos professores é apresentada de maneira prejudicial ao aluno, ao contrário do jornal O Globo, em que a paralisação total não foi abordada. Em outra ocorrência, a greve foi vista como prejudicial, principalmente, para os alunos do 3º ano do ensino médio que irão prestar vestibular (8) e também para o comprometimento das férias (9), afetando negativamente os alunos.
Enquanto isso [durante a greve], estudantes do 3º ano do ensino médio devem se contentar com ‘aulões’”. (VEJA, 26/06/2012)


Sem aulas há 76 dias devido a uma greve de professores, alunos do ensino fundamental e médio da rede estadual da Bahia não terão férias no fim de ano. “As férias certamente estão comprometidas. As aulas de reposição vão adentrar 2013”, afirma o secretário de Educação do estado, Osvaldo Barreto.” (VEJA, 26/06/2012)


No veículo de informação G1, as reportagens analisadas são referentes ao início da greve e, talvez por isso, ressaltam mais o movimento como prejudicial do que como ilegal. O foco das reportagens no que tange o ato como prejudicial é a perda de aula dos alunos que irão prestar vestibular e estão sendo prejudicados pela falta da mesma, como podemos observar abaixo:
A Secretaria já havia informado estar elaborando um pacote de medidas para que os alunos do 3° ano não sejam prejudicados em avaliações como o Enem e os vestibulares”. (G1, 19/06/12)


Dias antes, havia sido publicada uma reportagem discursando sobre o prejuízo que a greve traz em relação ao Enem e advertindo sobre o perigo que os alunos do ensino médio correm de não receberem seu certificado de conclusão e até de não conseguirem ingressar em uma universidade:
A procuradora da República Marcia Morgado, que propôs o processo, ressalta que o Ministério Público Federal não questiona o direito de greve dos professores, mas avalia que o modo de exercício é prejudicial aos estudantes, principalmente àqueles que prestarão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como não há previsão para reposição das aulas, os alunos não conseguiriam o certificado de conclusão do ensino médio, o que impediria a efetuação de matrícula em universidades.”. (G1, 13/08/12)


Ao mesmo tempo em que afirma que o Ministério Público entende o direito dos professores de organizarem uma greve, expõe que o órgão avalia o movimento como prejudicial, e assim a reportagem infere ao leitor, muitos pais de alunos que estão na situação referida no texto, que o professor é o culpado pela situação “crítica” destes alunos.
Há também outras matérias no G1 que promovem a ideia da desvalorização da greve em se tratando de salários, passando a falsa noção de que professor recebe alta remuneração:
Os professores da rede pública têm, atualmente, salário inicial de R$ 4.226, 47 para 40 horas semanais de trabalho, um dos mais altos do país. No ano passado, o auxílio-alimentação passou de R$ 195 para R$ 307, segundo dados da Secretaria de Educação.”. (G1, 23/03/12)
Outro problema que os professores tiveram que enfrentar foi a sugestão de um não recebimento da hora extra que teriam que fazer para compensar os dias sem aula. Por conta da greve, as aulas seriam repostas aos sábados, porém os professores que estavam presentes na escola na época da greve não receberiam pela hora extra e teriam que assinar o ponto nesses dias:
A Secretaria de Educação informou que a recomendação do Ministério Público é para que esses professores assinem o ponto no dia da reposição. No entanto, eles não devem receber horas extras, pois já teriam recebido pagamento durante a greve mesmo não dando aulas. O departamento jurídico do Sindicato dos Professores ainda está analisando o caso.”. (G1, 19/05/16)
Quanto à criminalização da greve, o veículo G1, apesar de poucas vezes, traz em suas reportagens argumentos que reforçam o pensamento dos que veem a greve como ato ilegal, como por exemplo:
(...), os professores estão com as atividades suspensas mesmo depois que a Justiça decretou a ilegalidade no movimento”. (G1, 23/04/2012)


Sendo leitor desses veículos, alguns alunos ficam confusos mediante essa situação:
A expectativa da maioria dos alunos após quase quatro meses sem aula é baixa. ‘Só tivemos dois meses de aula, ficamos na 1ª unidade, nem fizemos testes e provas [avaliações]’, observa Luis Carlos Conceição, 17 anos, aluno do 1º ano do ensino médio. Para ele, que tentou estudar em casa nos primeiros dias da greve, mas afirma ter perdido o estímulo quando viu o movimento se prolongar, a greve dos professores acabou sendo um pouco dura para os alunos. ‘Achei a greve um pouco rígida. Tanto tempo parado para não obter o resultado que eles esperavam, não foi uma paralisação inteligente’, disse.” (G1, 06/08/2012)
Através do depoimento, podemos compreender que alguns alunos entendem o ideal do professor no movimento, porém, sem respostas aos pedidos, os alunos, mesmo sem intenção e sem perceber, culpam o professor quando dizem “não foi uma paralisação inteligente”, julgamento que provavelmente pode ter sido construído com ajuda das informações e opiniões passadas pelos veículos vistos nesse trabalho.


Conclusão


A partir da análise de matérias jornalísticas em quatro veículos diferentes que escrevem para diferentes tipos de leitores, observamos que a discussão sobre o modo como o professor é visto pela mídia e pela sociedade realmente é encontrada na realidade, como pôde ser visto nas reportagens.
Neste trabalho, encontramos na maioria das reportagens um discurso midiático que é capaz de manipular a maneira como o professor é identificado pela sociedade. Por exemplo, aquele que recebe altos salários e ainda sim promove greves ou aquele que prejudica o aluno através de um movimento ilegal ou aquele que atrapalha a vida de outros trabalhadores ao fazer manifestações nas ruas.
Porém, os discursos deixam de relatar que essa profissão é desvalorizada perante as outras, que o professor precisa trabalhar em diferentes escolas para alcançar salários que condizem com a quantidade de trabalho e também não relatam que o professor projeta sua voz nessa luta porque busca ser identificado como um profissional.


Referências

O Globo. Projeto que dá à Educação 10% do PIB devia ter ido para o plenário, diz Ideli. 05/09/12. In: http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/24006/projeto-que-da-a-educacao-10-do-pib-devia-ter-ido-para-o-plenario-diz-ideli/. Acesso em 12 de Maio de 2016.
Veja. Sem aula há 76 dias, alunos da rede pública da Bahia terão aulão para 500 estudantes e ficarão sem férias de verão. 26/06/12. In: http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/23200/sem-aula-ha-76-dias-alunos-da-rede-publica-da-bahia-terao-aulao-para-500-estudantes-e-ficarao-sem-ferias-de-verao. Acesso em 12 de Maio de 16.

UOL Educação. Governo da Bahia decide cortar ponto de professores em greve. 19/04/12. In: http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-namidia/indice/22368/governo-da-bahia-decide-cortar-ponto-de-professores-em-greve. Acesso em 12 de Maio de 2016.

UOL Educação. Falta de recursos na Educação suspende e ameaça ano letivo de 40 mil alunos em Natal16. 29/11/12. In: http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/25063/falta-de-recursos-na-educacao-suspende-aulas-e-ameaca-ano-letivo-de-40-mil-alunos-em-natal16/. Acesso em 12 de Maio de 2016.

O Globo. Estudantes do Colégio Pedro II ocupam prédio da direção geral. 01/08/2012. In: http://oglobo.globo.com/sociedade/educacao/estudantes-do-colegio-pedro-ii-ocupam-predio-da-direcao-geral-5659474. Acesso em: 16 de Junho de 2016.
VEJA. Ensino médio brasileiro precisa entrar no século XXI. 26/08/2012. In: http://veja.abril.com.br/educacao/ensino-medio-brasileiro-precisa-entrar-no-seculo-xxi/. Acesso em: 16 de Junho de 2016.
G1. Convocados para aulas no 3º ano se apresentam na BA; greve continua. 19/06/12. In: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/06/convocados-para-aulas-no-3-ano-se-apresentam-na-ba-greve-continua.html. Acesso em 30 de Junho de 2016.
G1. MPF entra com ação civil contra Colégio Pedro II pelo fim da greve. 13/08/12.In: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2012/08/mpf-entra-com-acao-civil-contra-colegio-pedro-ii-pelo-fim-da-greve.html . Acesso em 16 de Junho de 2016.
G1. GDF reafirma que professores em greve terão dias parados descontados. 23/03/12. In: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/03/gdf-reafirma-que-professores-em-greve-terao-dias-parados-descontados.html. Acesso em 16 de Junho de 2016.
G1. Professor que não fez greve também deve repor aula, diz GDF. 19/05/12. In: http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2012/05/professor-que-nao-fez-greve-tambem-deve-repor-aula-diz-gdf.html. Acesso em 16 de Junho de 2016
G1. Greve de professores chega ao 13º dia e grupo mantém ocupação na AL. 23/04/12. In: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/04/greve-de-professores-chega-ao-13-dia-e-grupo-mantem-ocupacao-na-al.html. Acesso em 30 de Junho de 2016
G1. Governo começa a pagar salários cortados de professores grevistas. 06/08/12 In: http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/08/governo-comeca-pagar-salarios-cortados-dos-professores-grevistas.html. Acesso em 16 de Junho de 2016.


NÓVOA, Antonio.Os Professores na Virada do Milênio. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 25, n. 1, p. 11-20, jan./jun. 1999.







1 Graduanda em Licenciatura do curso de Letras Português-Inglês na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 6º período.
2 Graduanda em Licenciatura do curso de Letras Português-Literaturas na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 8º período.
3 Graduanda em Licenciatura do curso de Letras Português-Inglês na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 6º período.
4 Graduanda em Licenciatura do curso de Letras Português-Inglês na Universidade Federal do Rio de Janeiro, 8º período.

Data de conclusão do artigo: 14 de julho de 2016.